Até a tarde de sábado do dia 24 de setembro, quando deveria se reunir a comissão judicativa, eu desconhecia quem seria, de fato, os juízes que me julgariam. Ivaldo Santiago e João Carlos eram nomes prováveis, mas eu não podia ter certeza. O terceiro juiz (são no mínimo três) era para mim inimaginável.
Assim, foi uma surpresa muito desagradável quando, ao chegar ao Salão do Reino, o local combinado para o julgamento, dou de cara com Júnior, o ancião da congregação de minha namorada. De imediato, considerei se era legítimo que ele integrasse o rol dos que me julgariam. Visto que a minha namorada era uma das ovelhas a quem ele assumira o compromisso de proteger, pus-me a perguntar até que ponto ele me considerava uma ameaça à saúde espiritual e emocional dela. Não posso afirmar que isso foi um dos fatores que o levou a votar pela minha desassociação, mas sãos esses os pensamentos que vêm à cabeça do réu nessas horas de aflição.
Como presumi, Santiago foi o segundo juiz. Fora ele que me dera uma punição fora de tempo um ano antes, sendo essa a causa que, em última análise, me levou de volta à pornografia. Agora, ele próprio uma testemunha de acusação, acumulava também a função de juiz. Que era do meu conhecimento, em apenas um ano em Guadalupe, esse era o quinto tribunal religioso que ele constituía, sendo que os quatro anteriores resultaram em quatro Testemunhas excomungadas. Mas essas quatro logo se tornariam seis, pois além de mim logo outra Testemunha seria excomungada. Não tenho nenhuma condição de avaliar quanta justiça houve nesses julgamentos, mas é importante dizer que se trata de um terço das Testemunhas de Jeová de Guadalupe.
O terceiro juiz é João Carlos. Ele é um homem muito conhecido na cidade, tendo mais de 20 anos de atividade religiosa. Quando aqui cheguei em 1996, foi João Carlos que me deu todo apoio para conseguir moradia e emprego; um de seus muitos atos de bondade para comigo foi o custeio de tratamento dentário, que deve custar, em valores atualizados, cerca de três mil reais. Eu devia pagar-lhe aos poucos, mas, em razão de dificuldades financeiras, acabei pagando em bem mais tempo do que pretendia, e sem correção monetária. João Carlos nunca me cobrou a dívida, e pagar quando pude me dá incomensurável razão para que eu sinta eterna gratidão pela ótima pessoa que ele é.
A respeito de sua atividade religiosa em relação à minha pessoa, é preciso dizer que ele apoiou Luiz Corrêa quando este decidiu não mais tratar do assunto “pornografia” depois da confissão em 2007, bem como também o apoiou quando este decidiu não suspender minhas atividades em 2010, quando eu os deixei à vontade para fazer justamente isso; João Carlos também apoiou Santiago quando este tomou a decisão que, pela lógica, cabia a Luiz Corrêa. Não posso avaliar aqui até que ponto João Carlos estava preparado para compor um tribunal religioso, mas eu sempre mantive em mim a certeza de que Deus é capaz de guiar qualquer pessoa no sentido de fazê-la decidir justamente o que for da vontade Dele, bastando que, para isso, essa pessoa tenha o coração maleável e se deixe guiar pelo espírito santo.
Considerando que se trata de homens imperfeitos, será que é possível esperar uma decisão absolutamente justa de um tribunal religioso? O Corpo Governante, servindo-se de uma declaração de Cristo, em Mateus 18: 18, conclui que a resposta é sim. Leiamos essa declaração:
Como o Corpo Governante aplica esse texto a um tribunal religioso? Como garante que é justo o julgamento que fazem os anciãos? Vejamos:
Com esse argumento, o Corpo Governante assegura àquele que está sendo julgado que a decisão dos anciãos, seja pela absolvição, seja pela condenação, é, na verdade, uma decisão de Deus, portanto, absolutamente justa. É lógico que isso pressupõe que os anciãos, na sua imperfeição, sejam capazes de “aderir estritamente às instruções da Palavra de Jeová”. Se nos lembrarmos que, no exame da questão do sangue e do serviço civil alternativo, o próprio Corpo Governante tem mostrado instabilidade sobre o que realmente é ou não exigência divina, isso deixa uma grande interrogação sobre quanta certeza se pode ter de que um tribunal religioso seja realmente capaz de julgar com justiça.
As qualificações dos anciãos que me julgariam foram, até certo ponto, avaliadas por mim. A conclusão que tirei é de que, por um e outro motivo, nenhum deles estava habilitado a me julgar. Mas àquela altura, a poucos minutos da audiência, eu nada poderia fazer, a não ser atropelar os arranjos e exigir nova comissão com outra composição. No entanto, a situação me era muito aflitiva e eu queria logo acabar com aquilo, e assim, deixei as coisas seguirem o seu curso.
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