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Tempo para reflexão e investigação

Esse descaso dos anciãos para comigo me deixou desalentado. Em resultado disso, retornaram as dúvidas sobre se agiram corretamente em desassociar-me, se tinham feito realmente a vontade de Deus. Com isso, o desgaste emocional era crescente, de modo que se tornou muito incômodo continuar assistindo às reuniões e escutar aqueles homens – Ivaldo Santiago de João Carlos – desenvolverem os seus discursos e falarem vigorosamente sobre o amor de Deus. Assim, como a páscoa de 2013 já se aproximava, tendo voltado à memória o incidente vexatório da páscoa anterior, tudo combinado com o desânimo crescente, decidi não frequentar as reuniões até passar a ocasião festiva. Pretendia usar esses dias para refletir no que se passava comigo; queria saber onde estava Deus, que não cuidava pessoalmente de mim, deixando-me aos cuidados de homens que, a meu ver, não O representavam. 

Desse “descanso”, resultou que não voltei mais a frequentar as reuniões das Testemunhas de Jeová. Com isso, ficou evidente a alguns que eu estava deixando a igreja (até então a minha frequência regular às reuniões havia escondido o que se passava comigo). Eu não estava com isso rejeitando os ensinamentos bíblicos das Testemunhas, como também não alimentei a pretensão de que esse meu afastamento fosse definitivo; apenas havia decidido que o “descanso” de umas três semanas ia ser prolongado por tempo indeterminado. Àqueles que passaram a me questionar sobre as razões da minha saída, não disse muita coisa; falei que havia sido expulso, mas sem dar a entender que a religião havia agido injustamente. 

Como se podia esperar, os convites para ingressar em outra religião vieram de várias partes. De um amigo adventista recebi farto material sobre suas crenças. Mas quando me foi oferecido um material audiovisual produzido por ex-Testemunhas, rejeitei imediatamente. O Corpo Governante não mede palavras ao chamar de apóstata a todo aquele que publica ideias contra a religião. A respeito destes, veja com quanta convicção se expressa a autoridade religiosa: 

De fato, atualmente, assim como nos dias de Paulo, há aqueles que antes faziam parte da congregação cristã [entenda-se Testemunhas de Jeová], mas agora procuram desencaminhar as ovelhas por falar “coisas deturpadas” — meias-verdades ou mentiras explícitas. Como disse o apóstolo Pedro, eles usam “palavras simuladas” — palavras que parecem ser verdade, mas que na realidade são tão sem valor como dinheiro falsificado. — 2 Pedro 2:3.

Pedro expôs adicionalmente os métodos dos apóstatas por declarar que “introduzirão quietamente seitas destrutivas”. (2 Pedro 2:1, 3) Assim como o ladrão na ilustração que Jesus fez não entra “pela porta do aprisco das ovelhas, mas galga por outro lugar”, assim os apóstatas se chegam a nós sorrateiramente. (Gálatas 2:4; Judas 4) Qual é o objetivo deles? Pedro acrescentou: “Explorar-vos-ão.” De fato, não importa o que os apóstatas digam, o verdadeiro objetivo desses intrusos é ‘furtar, matar e destruir’. (João 10:10) Acautele-se contra esses estranhos! (A Sentinela de 1º de setembro de 2004, página 15).

Tendo acordado com meu amigo adventista que eu não aceitaria me expor a nenhuma matéria oriunda de ex-Testemunhas, pus-me a pesquisar os livros publicados pelo Corpo Governante visando responder biblicamente aos argumentos adventistas. 

Então, numa dessas pesquisas, encontrei a revista A Sentinela de 15 de julho de 1997, que trazia um artigo sobre o juízo investigativo, um ensinamento destacado da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Li-o com atenção e, muito a contragosto, notei que a matéria fazia abertamente uso de argumentos dissidentes para combater argumentos de adventistas fiéis; como o artigo, que faz parte de uma revista de circulação internacional, inevitavelmente seria lido por adventistas espalhados pelo mundo, esses seriam expostos a raciocínios apóstatas – algo de que as Testemunhas são repetidamente exortadas a evitar. Apesar disso, não deixei de fornecer a matéria a meu amigo adventista; em contrapartida, a situação me deixou sem condição moral para rejeitar material de ex-Testemunhas. 

E foi dessa forma que certo dia cheguei a casa com alguns vídeos “apóstatas”. Um deles citava uma ex-Testemunha de nome Carl Olof Jonsson, que escrevera um livro em que combatia a doutrina de 1914 – um ensino fundamental da religião. Segundo creem as Testemunhas de Jeová, Jesus Cristo assumiu o controle do governo mundial em 1914, como cumprimento do capítulo 24 de Mateus, no qual, em resposta à pergunta dos apóstolos sobre qual seria o sinal de sua vinda, ele cita guerras, fome e terremotos. Conforme será examinado com detalhes no capítulo quatro, essa data está alicerçada na afirmação do Corpo Governante de que a antiga Jerusalém foi destruída pelos babilônios no ano de 607 AEC. A conclusão de Jonsson é que Jerusalém não foi destruída em 607 AEC, mas uns 20 anos depois, em 587 ou 586 AEC e que, portanto, é falsa a doutrina de 1914. No vídeo, o autor diz que o Corpo Governante o havia advertido contra divulgar suas descobertas e o excomungaram em razão de seus conceitos divergentes que insistia em sustentar. Mesmo sem ter lido o livro de Jonsson, raciocinei conforme orientado pelo Corpo Governante e concluí que o livro dele só podia conter mentiras ou, na melhor das hipóteses, mentiras e meias-verdades. Assim, em resposta que enviei a meu amigo adventista, escrevi o seguinte: 

Carl Olof Jonsson foi realmente desassociado, mas não é possível saber se as razões apresentadas por ele são a expressão da verdade; pois tanto a data de 587 como as fontes usadas pelos historiadores para apoiá-la sempre foram citadas nas publicações da Torre de Vigia. Assim, não parece lógico esconder essas informações de uma igreja local e publicá-las em revistas e livros de circulação internacional

Naturalmente eu conhecia o provérbio bíblico que diz: “Responder antes de ouvir os fatos é tolice e resulta em humilhação” (Provérbios 18: 13). Mas é assim que agem as Testemunhas com relação a “apóstatas”; e eu, tendo passado duas décadas condicionado a esse regime, não pude agir de outro modo. 

Outro autor citado nos vídeos era Raymond Franz, que fizera parte da liderança internacional ainda na década de setenta, mas foi desassociado em princípios dos anos oitenta. Ele era citado fazendo declarações de que, enquanto compunha a liderança, apercebeu-se que o conceito primordial do grupo era sustentar as normas tradicionais da religião, mesmo que tais normas não fossem devidamente fundamentadas na Bíblia. Sobre as declarações dele, escrevi o seguinte: 

Mas R. Franz não cita nenhum exemplo; portanto, a questão fica apenas na linha de opinião.
 
Mas essa atitude minha de rebater acusações sem o devido conhecimento dos fatos deixou-me inquieto. Quando eu voltasse a ser ouvido pelos anciãos, sabia-se lá quando, obrigatoriamente teria de fazer referência a esses vídeos “apóstatas”, e já que havia chegado a esse ponto, por que não ir adiante e investigar os fatos de modo a ter um conceito próprio sobre os “apóstatas”?

Com essa determinação, o primeiro livro que adquiri foi Crise de Consciência, de Raymond Franz. Mas, como cautela, decidi que tudo o que Franz dissesse devia ser considerado como a opinião dele e, como eu jamais iria poder ouvir o outro lado, as opiniões de Franz permaneceriam sendo as opiniões de Franz e nada mais. No entanto, à medida que avançava na leitura, eu ia sendo sobrepujado por seus argumentos, que eram muito equilibrados e se apoiavam em farta documentação. 

Um dos assuntos abordados por ele foi a insegurança de alguns dos demais membros do Corpo quanto a afirmar que 1914 era um ano marcado na profecia bíblica. Note um trecho do livro:

Uma das coisas talvez mais perturbadoras para mim era o fato de saber que, enquanto a organização exortava os irmãos a manterem uma confiança inabalável na interpretação, havia homens em posição de responsabilidade dentro da organização que tinham se manifestado como não tendo plena confiança nas predições baseadas na data de 1914. Como exemplo notável, por ocasião da reunião de 19 de fevereiro de 1975, na qual o Corpo Governante escutou a gravação do discurso de Fred Franz sobre 1975, houve depois certa discussão sobre a incerteza das profecias relativas a datas. Nathan Knorr, o então presidente, falou claramente e disse:

“Há algumas coisas que sei — eu sei que Jeová é Deus, que Cristo Jesus é seu Filho, que ele deu sua vida como resgate por nós e que há uma ressurreição. De outras coisas, não tenho muita certeza. 1914 — eu não sei. Nós temos falado sobre 1914 durante muito tempo. Talvez estejamos certos e espero que estejamos.” (Crise de Consciência, páginas 270, 271).

Um pouco antes Franz fizera menção dos documentos enviados à liderança por Carl Olof Jonsson e relata qual foi a reação dos membros. 

A questão surgiu novamente tanto na reunião de 6 de março como na de 14 de novembro de 1979. Já que a atenção estava voltada para este tema, tirei fotocópias das primeiras vinte páginas do material enviado pelo ancião sueco que detalhava sobre a história da especulação cronológica e revelava a verdadeira origem do cálculo dos 2.520 anos e da data 1914. Cada membro do Corpo recebeu uma cópia. Com exceção de um comentário incidental, não acharam conveniente discutir o material (Crise de Consciência, página 268).

Todo esse assunto e uma série de outros me absorveram de tal maneira que a leitura, que havia começado pelo começo da noite, entrou pela madrugada. Fui deitar em estado de choque. Eu não queria acreditar que aquilo tudo era verdade, mas ao mesmo tempo não podia concluir que era tudo mentira. Uma pessoa, tendo levado uma vida inteira dedicada a fazer a vontade de Deus, não podia de repente sair falando somente inverdades. O resultado foi que tive de ir atrás do livro de Jonsson e checar pessoalmente os argumentos dele. O Corpo Governante havia me guiado por cerca de vinte anos e sempre tive a certeza de que ele fazia o maior esforço para me manter bem alinhado com as verdades contidas na Bíblia; mas então surgia a suspeita de que algo parecia não corresponder aos fatos e eu não podia simplesmente deixar isso de lado, como se fosse coisa de somenos importância. 

Milhões de pessoas põem fé absoluta nas palavras do Corpo Governante, e isso deixa esses homens com uma responsabilidade incomparável perante Deus; como visto anteriormente, essa é uma requisição da autoridade religiosa, sob pena de não se ter a aprovação de Deus. No entanto, podemos alistar alguns fatos fundamentais: (1) cada um de nós prestará contas de si mesmo a Deus; (2) Jesus Cristo alertou contra a possibilidade de se ser enganado por falsos profetas; (3) a Bíblia está à disposição de todos, com o objetivo de que cada um possa checar quem de fato fala a verdade sobre seu conteúdo (Romanos 14: 10; Mateus 7: 15). A conclusão disso é que não parece haver base para perdão sob o argumento de que se foi enganado. 

Com esse raciocínio, e convicto de que estava numa encruzilhada espiritual, dei início a uma busca pela verdade religiosa – começando primeiro por procurar conhecer quem de fato é o Corpo Governante, como surgiu e como sua existência é justificada. 




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