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"Escravo" e "Corpo Governante"

Desde os seus primórdios, na segunda metade do século XIX, a organização religiosa das Testemunhas de Jeová, na pessoa de seus líderes, sempre esteve às voltas com uma passagem bíblica registrada em Mateus 24: 45. Leiamos: 

Quem é realmente o escravo fiel e prudente a quem o seu senhor encarregou dos seus domésticos, para lhes dar o alimento no tempo apropriado?

Como a resposta óbvia parece ser uma pessoa, os seguidores de Russell começaram a tratá-lo como sendo esse “escravo fiel e prudente”.  A respeito dessa questão e sobre a opinião de Russell, veja o que se escreveu uns dois meses após sua morte: 

Milhares de leitores dos escritos do Pastor Russell acreditam que ele preencheu o cargo “daquele servo fiel e prudente” e que sua grande obra foi prover à família da fé o alimento na época devida. Sua modéstia e humildade o impediam de reivindicar este título abertamente, mas ele admitia isso em conversa particular (A Sentinela de 1º de dezembro de 1916, página 356, conforme consta no livro Em Busca da Liberdade Cristã, página 92).

Esse conceito foi defendido por cerca de duas décadas após a morte de Russell, até que, em 1927, adotou-se o conceito de que se tratava de um coletivo de pessoas – os ungidos ou escolhidos para ir morar no céu. 

Muitos dos que foram peneirados naquele tempo agarravam-se ao conceito que uma pessoa única, Charles Taze Russell, era o “servo fiel e prudente” predito por Jesus em Mateus 24:45-47 (Almeida), servo este que distribuiria alimento espiritual à família da fé. Em especial depois de sua morte [de Russell], a própria revista Watch Tower [A Sentinela, em português] expressou esse conceito por vários anos. Em vista do destacado papel que o irmão Russell desempenhara, parecia aos Estudantes da Bíblia [como então eram conhecidas as Testemunhas de Jeová] daquela época que este era o caso. Ele não promoveu pessoalmente essa idéia, mas reconheceu a aparente razoabilidade dos argumentos dos que a defendiam. Ele também frisava, porém, que quem quer que o Senhor usasse nesse papel tinha de ser humilde bem como zeloso em trazer glória para o Amo, e que se o escolhido do Senhor falhasse, seria substituído por outro.

Contudo, à medida que a luz da verdade progressivamente brilhava ainda mais claramente após a morte do irmão Russell, e à medida que a pregação que Jesus predissera se tornava ainda mais extensa, tornou-se evidente que o “servo fiel e prudente” (Almeida), ou o “escravo fiel e discreto” (Novo Mundo), não havia saído de cena com a morte do irmão Russell. Em 1881, o próprio irmão Russell expressara o conceito de que esse “servo” se compunha do inteiro corpo de fiéis cristãos ungidos pelo espírito. Ele achava que se tratava de um servo coletivo, uma classe de pessoas unidas em fazer a vontade de Deus. (Compare com Isaías 43:10.) Este entendimento foi reafirmado pelos Estudantes da Bíblia em 1927. As Testemunhas de Jeová hoje reconhecem que a revista A Sentinela e outras publicações do gênero são as que o escravo fiel e discreto usa para distribuir alimento espiritual. Elas não afirmam que essa classe-escravo seja infalível, mas deveras a encaram como o único canal que o Senhor está usando nos últimos dias deste sistema de coisas (Proclamadores do Reino, páginas 626, 627)

Esse foi o conceito que prevaleceu por todo o século XX. Com isso, todas as Testemunhas de Jeová que compunham a “grande multidão”, com esperança de vida eterna na terra, tinham que recorrer aos “ungidos”, a quem, segundo a intepretação, cabia a responsabilidade de fornecer “alimento no tempo apropriado”(o qual se entende por instruções bíblicas disponibilizadas por vários meios, como livros e palestras). 

Como prova de que esse grupo seleto tinha legitimidade, a liderança religiosa sempre apresentou a própria história da religião. Como é de conhecimento público, logo após a morte de Russell, Rutherford assumiu a liderança do grupo e deu início a uma campanha religiosa que consistia basicamente em anunciar para breve, exatamente para 1918, o fim de todas as demais religiões. Segundo afirma o Corpo Governante, isso irritou os líderes religiosos da época e os induziu a se servir do clima de guerra para denunciá-los ao governo dos Estados Unidos. O resultado foi que Rutherford e mais sete de seus auxiliares próximos ficaram presos por cerca de um ano sob a acusação de apoiar o inimigo (para mais informações sobre as previsões para 1918, veja o livro Em Busca da Liberdade Cristã, de Raymond Franz, página 159).

Segundo explica o Corpo Governante, a prisão e a consequente libertação deles resultou no cumprimento de diversas profecias, dentre as quais a de Malaquias 3: 2,3: 

Mas quem suportará o dia da sua vinda, e quem conseguirá se manter de pé quando ele aparecer? Pois ele será como o fogo do refinador e como a barrela dos lavadeiros. E ele se sentará como um refinador e purificador de prata e purificará os filhos de Levi.

Segundo explicação da autoridade religiosa, por volta de 1918, em cumprimento da profecia de Malaquias, Jesus Cristo submeteu todas as religiões da época a um teste e somente as Testemunhas de Jeová foram aprovadas – sendo crenças verdadeiramente bíblicas o quesito de avaliação. Como recompensa, Cristo apontou todos os “ungidos” como o representante coletivo dele na terra, aos quais cabia a tarefa de fornecer “alimento no tempo apropriado”, de acordo com Mateus 24: 45. Mas por todo século XX, apesar de haver milhares de ungidos espalhados por todo o mundo, sempre foi um fato que apenas os líderes e seus auxiliares imediatos estavam diretamente envolvidos na preparação do “alimento”.  A explicação para essa realidade confusa veio somente em 2013, quando o Corpo Governante decidiu que o “escravo fiel e prudente” se refere a ele próprio, e não a todos os “ungidos” (veja a revista A Sentinela de 15 de Julho de 2013; para saber o conceito de Raymond Franz sobre qual o sentido de Mateus 24; 45,46, veja o seu livro, Em Busca da Liberdade Cristã, páginas 194-203). 

Diante do que foi apresentado nos parágrafos anteriores, vê-se que o Corpo Governante é uma autoridade que se impõe. Antes, como um núcleo do “escravo fiel e prudente”; e agora, por decisão dele mesmo, como sendo o próprio “escravo fiel e prudente”. 

Mas como sua existência é justificada? 

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