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Predições específicas para 1914

O livro Proclamadores do Reino já foi citado várias vezes até aqui. Ele é um livro de história das Testemunhas de Jeová, tendo sido publicado em 1993. Segundo os editores, parte do objetivo do livro é contar uma história cândida da organização. A respeito dessa questão, pergunta-se que versão sobre 1914 conta o livro? Mais especificamente, o que ele diz sobre as previsões de Russell para 1914? Leiamos então parte dessa versão: 

Os Estudantes da Bíblia não estavam plenamente seguros do que aconteceria. Estavam convencidos de que não resultaria na queima da Terra nem no desaparecimento da vida humana. Mas sabiam que marcaria um ponto significativo com respeito ao governo divino. De início, pensaram que nessa data o Reino de Deus teria assumido pleno controle universal. Quando isso não aconteceu, sua confiança nas profecias bíblicas que marcavam essa data não vacilou. Concluíram que, em vez disso, a data marcava apenas um ponto de partida quanto ao domínio do Reino. 

Similarmente, pensaram também de início que as dificuldades globais, que culminariam numa anarquia (entendiam que esta estaria associada com a guerra do “grande dia de Deus, o Todo-poderoso”), precederiam essa data. (Rev. 16:14) Mas, depois, dez anos antes de 1914, a Watch Tower sugeria que um tumulto mundial que resultaria no aniquilamento das instituições humanas ocorreria logo após o fim dos Tempos dos Gentios. Esperavam que o ano de 1914 marcasse um significativo momento decisivo para Jerusalém, pois a profecia dizia que ‘Jerusalém seria pisada’ até terminarem os Tempos dos Gentios. Quando viram que 1914 estava terminando e eles ainda não tinham morrido quais humanos nem sido ‘arrebatados nas nuvens’ para se encontrarem com o Senhor — segundo as expectativas anteriores — passaram a esperar sinceramente que sua mudança se daria no fim dos Tempos dos Gentios. — 1 Tes. 4:17.

Com o passar dos anos, examinando e reexaminando as Escrituras, sua fé nas profecias permaneceu firme, e eles não deixaram de declarar o que esperavam que ocorresse. Com variados graus de êxito, esforçaram-se em evitar ser dogmáticos a respeito de pormenores não declarados explicitamente nas Escrituras (Proclamadores do Reino, página 135).

O tom de confissão é evidente, embora os enganos cometidos sejam trazidos à tona com palavras bem selecionadas; salta à vista a tentativa de tirar de cena o verdadeiro autor dos equívocos, com os esquivos sendo atribuídos aos “Estudantes da Bíblia”, a respeito dos quais é dito que “pensavam”, “pensaram”, “concluíram”, “entendiam”, “esperavam”, como se estes fossem os verdadeiros autores das crenças que Charles T. Russell escrevia e fazia circular pelo mundo inteiro.

Um pouco antes disso, à página 60 do livro Proclamadores do Reino, lemos mais uma confissão sobre 1914; neste caso específico, chama a atenção exatamente aquilo que é propositadamente omitido. 

Por décadas Russell e seus associados vinham proclamando que os Tempos dos Gentios terminariam em 1914. Grandes eram as expectativas. C. T. Russell criticara os que haviam fixado várias datas para a volta do Senhor, como William [Guilherme] Miller e alguns grupos de adventistas. Contudo, desde a época de sua antiga associação com Nelson Barbour, ele estava convencido de que existia uma cronologia exata, baseada na Bíblia, e que ela indicava 1914 como o fim dos Tempos dos Gentios (Proclamadores do Reino, página 60).

Russell criticara de fato seus antecessores e contemporâneos por marcarem data para a manifestação da volta de Cristo; mas astutamente os autores omitem nesse contexto o que escreverão à página 135. Ao dizerem que se esperava para 1914 o “fim dos Tempos dos Gentios”, mas não exatamente o que isso devia significar, eles dificultam a percepção de que os equívocos de Russell não eram – em absoluto – diferentes daqueles que ele expunha nas páginas de sua literatura. É verdade que Russell abandonara a crença de que Cristo voltaria de forma visível; mas no que diz respeito ao fato de que a volta de Cristo resultaria no arrebatamento dos santos, sendo essa a questão básica relacionada com a volta de Cristo, então nesse ponto os equívocos de Russell e de seus antecessores eram os mesmos. Cristo, até onde estou ciente, não arrebatou ninguém para o céu antes de 1914, bem como tampouco o fez em 1914. 

Mas quão específico foi Russell sobre 1914? O livro O Tempo Está Próximo, publicado por Russell em 1889, faz afirmações ousadas sobre 1914. Leiamos essa parte, conforme consta no livro Crise de Consciência. Os sublinhados são de quem originalmente o cita, o autor Raymond Franz. 

Neste capítulo, apresentamos a evidência bíblica que prova que o término total dos tempos dos gentios, isto é, o término total de sua licença de domínio se vencerá em 1914 A.D.; e que essa data será o limite máximo da regência de homens imperfeitos. E observe-se que, se isso se revela como um fato firmemente estabelecido pelas escrituras, provará: 

Em primeiro lugar que, nessa data, o Reino de Deus, pelo qual nosso Senhor nos ensinou a orar, dizendo, “Venha o Teu Reino”, terá alcançado o pleno controle universal, e que será então ‘instalado’, ou firmemente estabelecido, na terra. 

Em segundo lugar, provará que ele, cujo direito é portanto assumir o domínio, estará então presente como o novo Regente da terra; e não apenas isso, mas provará também que ele há de estar presente por um período considerável antes dessa data; já que a derrubada destes governos gentios é causada diretamente por ele espatifá-los como um vaso de oleiro (Salmos 2:9; Rev. 2:27), e pelo estabelecimento de seu próprio governo justo em substituição a eles.

Em terceiro lugar, provará que, algum tempo antes do fim de 1914 A.D., o último membro da divinamente reconhecida Igreja de Cristo, do ‘sacerdócio real’, do ‘corpo de Cristo’, será glorificado com a Cabeça; já que cada membro deve reinar com Cristo, sendo co-herdeiro com ele no Reino, que não pode ser plenamente ‘instalado’ sem cada membro. 

Em quarto lugar, provará que, daquele tempo em diante, Jerusalém não será mais pisoteada pelos gentios, mas se erguerá do pó do desfavor divino para honra, visto que os “tempos dos gentios” terão se cumprido ou completado. 

Em quinto lugar provará que, nessa data, ou antes dela, começará a ser retirada a cegueira de Israel, já que a ‘cegueira parcial’ devia continuar somente ‘até que houvesse entrado a plenitude dos gentios’ (Rom. 11:25), ou, em outras palavras, até que o pleno número dentre os gentios, que haveriam de ser membros do corpo ou noiva de Cristo, fossem plenamente selecionados. 

Em sexto lugar, provará que o grande ‘tempo de aflição’ tal como nunca houve desde que existe nação”, alcançará seu ponto culminante no reino mundial da anarquia; e os homens aprenderão então a ficar parados e a reconhecer que Jeová é Deus e que ele será exaltado na terra. (Salmo 46:10) A condição das coisas, descrita em linguagem simbólica como ondas agitadas do mar, o derretimento da terra, o nivelamento da montanhas e a queima dos céus, terá se passado e a ‘nova terra e novo céu’, com suas bênçãos de paz começarão a ser reconhecidas pela humanidade abalada pela aflição. Mas o Ungido do Senhor e a sua autoridade legítima e justa serão primeiro reconhecidos pela companhia dos filhos de Deus, enquanto atravessam a grande tribulação — a classe representada por m e t no Plano das Eras (veja também as páginas 235 a 239, Vol. I.); posteriormente, bem no seu final, pelo Israel carnal; e, finalmente, pela humanidade em geral. 

Em sétimo lugar, provará que, antes dessa data, o Reino de Deus, organizado em poder, estará na terra, e golpeará e esmagará então a imagem gentia (Dan. 2:34) — consumirá totalmente o poder destes reis. Seu próprio poder e domínio serão estabelecidos tão logo ele esmiúce e pulverize, por suas variadas influências e operações, as ‘potências que são’ — civis e eclesiásticas — ferro e argila (Crise de Consciência, páginas 196 e 197).

Como é possível deduzir, essas declarações de Russell nunca apareceram em publicações posteriores a 1914. Além disso, segundo Franz observa, edições do livro posteriores a 1914 foram adulteradas de modo a omitir partes das afirmações que foram citadas acima. Compreende-se agora porque os autores do livro Proclamadores do Reino sentem-se à vontade para dizer que “os Estudantes da Bíblia não estavam plenamente seguros do que aconteceria” em 1914, e que “com variados graus de êxito, esforçaram-se em evitar ser dogmáticos a respeito de pormenores”. Esses autores evidentemente estão cientes de que a grande maioria das Testemunhas ignoram por completo as palavras de Russell a respeito de “pormenores” sobre 1914.

Há um detalhe relacionado a isso que nos asseguram que Russell de fato não podia escrever a respeito de incertezas. Esse detalhe nos dá uma dimensão de suas certezas e, ao mesmo tempo em que justifica porque ele falava com convicção, assinalam também o quão ousado ele foi ao envolver Deus nas certezas que divulgavam sobre 1914. Leiamos: 

Agora, em vista dos recentes problemas trabalhistas e da ameaça de anarquia, nossos leitores estão escrevendo para saber se não deve haver algum erro na data de 1914. Eles dizem que não vêem como as condições atuais podem agüentar tanto tempo sob tensão. Não vemos nenhum motivo para mudarmos os números — nem poderíamos mudá-los se quiséssemos. Eles são, acreditamos, datas de Deus, não nossas. Mas, tenham em mente que o fim de 1914 não é a data para o início, mas para o fim do tempo de aflição. 

Não vemos motivo algum para alterarmos nossa opinião expressa na visão apresentada em A Torre de Vigia de 15 de janeiro de 1892. Aconselhamos que a leiam novamente (Crise de Consciência, página 204)

Essas palavras são da revista A Sentinela de julho de 1894. Russell assevera que a data de 1914 foi assinalada por Deus; não somente isso, mas que 1914 seria o “fim”. Ao colocar as coisas nesses termos, como se Deus estivesse falando diretamente com Russell, assim, numa conversa boca a boca, Russell coloca a Deus como o verdadeiro autor das afirmações que ele fazia sobre 1914. Como sabemos, as afirmações se provaram falsas; nessa circunstância, Deus foi colocado na posição de um grande mentiroso para todos aqueles que acreditaram nas palavras de Russell. Portanto, não importa quanta convicção Russell tinha em sua compreensão bíblica, não importa que os leitores raciocinem que o engano foi de Russell, que ele era imperfeito assim como todos somos; pois, no que diz respeito a isso, as Escrituras não guardam silêncio sobre qual é o conceito de Deus sobre aqueles que falam falsidades em nome Dele (Deuteronômio 18: 20-22). 
 
Charles T. Russell faleceu em fins de outubro de 1916, dois anos após a data que ele marcara para a intervenção divina nos assuntos humanos. Tendo sido um escritor prolífero, milhares de páginas saíram de sua pena e é hoje saudado pela liderança da religião como tendo sido o homem escolhido por Deus para reavivar verdades bíblicas há muito abandonadas. Apesar desse conceito, quase praticamente todas as suas ideias foram reformuladas por sucessivas lideranças. Essa realidade incômoda é que justifica o fato de que toda a sua farta literatura foi tirada de circulação, sendo que dele cita-se apenas frases cuidadosamente pinçadas. Assemelha-se isso ao surgimento de uma religião verdadeira? 



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