Por quase todo o século passado, até por volta da década de 70, a Torre de Vigia não teve muito que se preocupar em defender sua cronologia6. Apesar de sempre ter sido de conhecimento dos líderes que a cronologia secular estava em desacordo com a cronologia aceita por eles, a convicção de que os “70 anos” mencionados por Jeremias os apoiavam foi suficiente para mantê-los despreocupados e ainda ensaiarem um ar de desprezo para com a “sabedoria do mundo” – 1 Coríntios 1: 18-21. Mas por volta da década de 60, o Corpo Governante, ao decidir produzir uma enciclopédia bíblica, acabou expondo um de seus melhores homens a provas incontestáveis contra a data de 607 AEC. Esse homem era Raymond Franz.
Encarregado de elaborar o verbete “cronologia”, Franz desdobrou-se em pesquisas, serviu-se de muitas bibliotecas de Nova Iorque e até interrogou um historiador perito no assunto. Nada conseguiu que pudesse comprovar que 607 AEC era uma data com apoio histórico. Todas as evidências apontavam para 587 AEC – a data que desde o fim do século anterior fazia-se ouvir pela Torre de Vigia. Em resultado disso, em carta dirigida a Jonsson, Franz conta que um espaço considerável do verbete foi gasto em tentar “mostrar as incertezas existentes nas fontes históricas antigas” (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, página 24). Em fins da década seguinte, em resultado de Jonsson ter enviado o resultado de sua pesquisa ao Corpo Governante, esta autoridade religiosa viu-se pela primeira vez em apuros. Mas, de inicio, em vez de atacar o problema, o alvo do Corpo passou a ser a pessoa de Jonsson. Somente em 1981 deu-se real atenção à cronologia. Em um apêndice ao livro Venha o Teu Reino, quatro páginas foram dedicadas ao assunto. Depois de considerar algumas fontes históricas que dão suporte à data de 587 AEC, a autoridade religiosa dá o seguinte veredicto:
Esse é o típico argumento que um réu pode usar no tribunal. Ele até reconhece que existem testemunhas contra ele, mas argumenta que não é possível saber se as testemunhas estão falando a verdade. Como uma ré, A Torre de Vigia deseja que o depoimento de testemunhas contra a data de 607 AEC seja descartado simplesmente porque pode vir a ser falso. Em sequência, vários parágrafos são dedicados a defender a validade bíblica dos “70 anos” de Jeremias. E em conclusão:
Quando o Corpo Governante decide pôr as palavras da Bíblia à frente das palavras dos homens, parece acreditar que está diante de um argumento imbatível. Mas deixa de considerar que, embora a Bíblia seja produto do espírito santo, ao contrário dos escritos históricos, ambos dizem o que dizem apenas em resultado de que os interpretamos. Ele corretamente afirma que os documentos históricos estão sujeitos a serem mal interpretados... como se a Bíblia fosse imune a tais equívocos! Conforme visto no capítulo anterior, na questão da “geração”, a própria Torre de Vigia comprovou o quanto uma simples frase pode estar sujeita a ser reinterpretada. Mas isso foi tudo o que se pôde dizer em resposta ao trabalho de Jonsson.
Depois disso, somente trinta anos depois, em 2011, o Corpo Governante voltou a abordar o assunto – agora não apenas em quatro, mas em treze páginas. Nas edições de 1º de outubro e de 1º de novembro, a revista A Sentinela discutiu a questão com uma seriedade considerável. Diferentemente de 1981, quando toda prova histórica foi posta em dúvida, agora muitos desses documentos foram considerados válidos – mas somente até o ponto em que pareciam apoiar a data de 607 AEC. Como das outras vezes, a interpretação dos “70 anos” mencionados por Jeremias é posta num patamar acima de discussão e todo o testemunho contra ela é desacreditado ou sequer mencionado (Ambos os artigos foram imediatamente respondidos por Carl Olof Jonsson aqui e aqui e traduzidos pelo grupo Mentes Bereanas aqui e aqui respectivamente; eventuais citações das traduções serão acompanhadas das páginas dos artigos em inglês).
O resultado desses dois artigos, que foram produzidos numa linguagem quase erudita, é que Testemunhas de Jeová por todo o mundo neles se apoiarão sempre que lhes questionarem a validade da cronologia sobre a qual ergueram sua fé. O fato de que a linguagem semierudita deixa o assunto aquém de compreensão para muitas delas não é nenhum problema. A crença inabalável de que os irmãos de Brooklyn estão sempre certos será suficiente para se apegarem aos artigos tal qual um náufrago se apega a qualquer coisa que lhe vem à mão. Consciente de que é exatamente assim, a Torre de Vigia não deixará de dar lembretes sobre a existência dos artigos. Anciãos os citarão do microfone sempre que uma onda de apostasia lhes rondar a região. Em último caso, os artigos serão fotocopiados e postos na mão de todo simpatizante que fizer um questionamento sincero. A maioria das Testemunhas, naturalmente, ignora o fato de que diversos autores, por todo o mundo, reuniram provas contra todo o conteúdo dos artigos – e continuarão nesse estado enquanto se subordinarem à proibição de procurarem uma segunda opinião.
Mas quanta validade tem as provas reunidas? Que garantia se apresenta de que Jerusalém foi destruída em 587 AEC? Analisemos.
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