Com respeito ao equívoco que resultou num erro de cerca de 20 anos entre a cronologia de Russell e a cronologia historicamente aceita, a revista A Sentinela de 1º de outubro de 1904 considerou a carta de um leitor que chamava a atenção de Russell para um possível erro de cálculo.
No entanto, Russell não se deixou convencer; em resposta ao leitor, ele assim se expressou:
Quanto à questão do ano zero, Russell demostrou que havia tomado conhecimento do problema; pois ainda em 1912 veio a tocar no assunto foi abordado:
Ele tinha então duas opções: adiar em um ano os eventos que esperava para 1914 ou antecipar de 606 para 607 AEC o início da contagem de 2520 anos de modo a coincidir seu fim com 1914. A primeira não lhe era conveniente; a segunda, esta não lhe parecia estar de acordo com os fatos históricos. Assim, em conclusão do assunto, ele expressou-se apenas na base da incerteza:
Mas, como vimos no capitulo anterior, 1914 chegou e deixou patente que as previsões de Russell eram falsas. Contudo, o seu sucessor, Joseph F. Rutherford, não estava preparado para admitir um erro sequer. Assim, em pouco tempo cuidou de argumentar que Cristo de fato voltou em 1914, mas que desde então está governando de modo invisível. É isso que defende ainda hoje a liderança religiosa em Brooklyn. Mas como resolveram a questão do ano zero?
Visto que 1914 foi mantido como uma data importante, estava descartada a possibilidade de adiar para 1915 o fim dos 2520 anos. Desse modo, sem nenhuma justificativa, na década de 1940 foi decidido que os judeus chegaram a Jerusalém em 537 e não em 536 AEC, como se afirmava até então.
Explicando como equívocos conduziram a uma data certa – 1914 –, o Corpo Governante, em 1988, chamando-os de providenciais, saiu-se com a seguinte explicação:
É possível depreender do texto que as descobertas foram como que simultâneas e mais ou menos por volta da década de 1940. O Corpo Governante, embora cite a palavra “pesquisa”, omite qualquer razão histórica que veio a exigir que 607 AEC passasse a ser o ano da destruição de Jerusalém, bem com também omite o fato de que, já em 1912, Russell demonstrou que sabia da problemática em torno do ano zero.
Com a palavra “pesquisa”, a Torre de Vigia talvez faça referência ao fato de que os registros históricos datam o primeiro ano de Ciro como sendo 538 e não 536 AEC. Como visto anteriormente, com o objetivo de resolver a questão do ano zero, os “70 anos” passaram a ser somados, não a 536, mas a 537 AEC. Visto que a opção era por somar os “70 anos” ao “primeiro ano de Ciro” como rei de Babilônia, a Torre de Vigia teve que considerar 537, não 536 AEC, como sendo o “primeiro ano de Ciro”. O registro dessa mudança pode ser visto no livro Está Próximo o Reino, que foi lançado em inglês em 1944.
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Está próximo o Reino, página 175. |
Mas resolvia apenas parte do problema, pois a liderança religiosa não ignorava o fato de que historiadores apontavam para 538/537 AEC como sendo o primeiro ano de Ciro. Isso pode ser visto na revista A Sentinela de 1º de novembro de 1949, em inglês, página 328.
Nesse artigo, considera-se o caso de um administrador de nome Dario que governou por pelo menos um ano a cidade de Babilônia, possivelmente nomeado por Ciro. Considerando que isso é um fato, a Torre de Vigia argumenta em defesa da possibilidade de que Ciro pode ter assumido o reinado, não em concomitância com Dario (538/537AEC), mas imediatamente após ele, em 537/536 AEC, livrando-se assim de aceitar a data de 538 AEC proposta pelos historiadores. Caso a Torre de Vigia viesse a somar os “70 anos” de Jeremias a 538 AEC, a data da destruição da Jerusalém passaria a ser 608 AEC e, consequentemente, seria obrigada a recuar em um ano a data de 1914. É apenas lógico que isso ela não poderia aceitar. Como então resolveu a questão? Sentindo-se obrigada a se curvar diante da evidência a favor de 538 AEC, a Torre de Vigia considerou que podia aceitar 538 AEC como o primeiro ano de Ciro e ainda assim manter 537 AEC como data a somar “70 anos”. Como fez isso? Por defender que os “70 anos” deviam ser somados, não ao “primeiro ano de Ciro”, mas ao ano da chegada dos judeus a Jerusalém, após serem libertos de Babilônia. Mas há base para se crer que 537 AEC seja a data exata da chegada dos judeus a Jerusalém?
A Bíblia diz que os judeus chegaram a Jerusalém no “sétimo mês”, mas deixa indeterminado o ano. Também diz que foi no “primeiro ano de Ciro” que receberam a ordem para voltar a Jerusalém, mas deixa indeterminado o mês. A Bíblia também informa que, em um tempo posterior, Esdras fez, em quatro meses, o percurso de Babilônia a Jerusalém. Esses dados colocam os judeus chegando a Jerusalém no “sétimo mês” do “primeiro ano” de Ciro – 538 AEC, pois são pelo menos seis meses para se fazer uma viagem que podia ser feita em quatro. Então, para contornar a situação, a Torre de Vigia passa a requerer que os judeus tenham um tempo maior para preparar a viagem. Assim, sugere que, em função desse tempo gasto no preparo da viagem, seria impossível que eles chegassem a Jerusalém ainda no “sétimo” mês de 538 AEC (Esdras 1:1-3; 3:1; 7:9). Novamente, com relação a esse assunto, Russell foi corretamente alertado que o primeiro ano de Ciro foi 538 AEC (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, páginas 91, 92). Pelo modo como “corrigiu” os erros envolvendo sua cronologia, a Torre de Vigia usufruiu do sonho de toda criança que vive a aborrecer-se com as primeiras contas: onde lhe cabia refazer os cálculos, cuidou de alterar as parcelas de modo a fazer parecer que fez a conta certa. Infelizmente, não se trata de um aprendiz de matemática, mas de uma organização religiosa que alega ser guiada pelo espírito santo de Deus.
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