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Russell foi alertado

Com respeito ao equívoco que resultou num erro de cerca de 20 anos entre a cronologia de Russell e a cronologia historicamente aceita, a revista A Sentinela de 1º de outubro de 1904 considerou a carta de um leitor que chamava a atenção de Russell para um possível erro de cálculo. 

Caro senhor, uma vez que mudou seus pontos de vista em relação aos Tempos dos Gentios permita-me sugerir a possibilidade de ainda outro erro. O senhor conta o cativeiro dos Judeus de setenta anos em Babilônia principiando com a destronação de Zedequias, o último rei de Judá, mas eu noto que a “Cronologia do Bispo Usher”, dada à margem da nossa versão de Bíblias comuns e com base no “Cânon de Ptolomeu”, o período de setenta anos começa dezenove anos antes, ou seja, no primeiro ano de Nabucodonosor, quando ele levou cativo Daniel e outros judeus proeminentes e colocou o país dos judeus sob tributo. Agora, se o cálculo padrão aceito estiver correto, faria com que os Tempos dos Gentios comecem dezenove anos mais tarde do que você estimou, ou seja, em 587 A.C. em vez de 606 A.C; e por sua vez faria aqueles tempos acabar dezenove anos mais tarde do que você tinha contado, em outubro de 1933 A.D, em vez de outubro de 1914 A.D. O que o senhor diz quanto a isto? Seria o senhor humilde o suficiente para reconhecer que eu alcancei uma nova luz, e que você e todos os leitores da Aurora estão “todos errados”, andando em escuridão? (A Sentinela de 1º de outubro de 1904, páginas 296, 297; reimpressões: páginas 3436, 3437; ver original em inglês).

No entanto, Russell não se deixou convencer; em resposta ao leitor, ele assim se expressou: 

Não temos conhecimento de qualquer razão para mudar um número: fazer isso estragaria as harmonias e paralelos tão notáveis entre a era judaica e a era do evangelho (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, página 60).
 

Quanto à questão do ano zero, Russell demostrou que havia tomado conhecimento do problema; pois ainda em 1912 veio a tocar no assunto foi abordado: 

Se Dionísio começou seu período em 1º de janeiro do ano 1 AD, ou se ele começou em 1º de janeiro do ano 0 AD, não podemos ter certeza; nem podemos também nos sentir seguros que ele começou nas datas 31 de dezembro do ano 0, ou 31 de dezembro do ano 1. Para qualquer outra finalidade esta questão seria relativa. Mas, para nós ele tem uma influência muito importante em nosso cálculo dos “Tempos dos Gentios”. Até mesmo neste em particular, o assunto parecia menos importante 30 ou 40 anos atrás do que hoje; por agora como chegamos até o fim dos Tempos dos Gentios estamos dispostos a servir-nos de todos os recursos de um exame crítico e microscópico como jamais imaginávamos fazer a alguns anos atrás (A Sentinela de 1º de dezembro de 1912, página 5141; ver original em inglês ).

Ele tinha então duas opções: adiar em um ano os eventos que esperava para 1914 ou antecipar de 606 para 607 AEC o início da contagem de 2520 anos de modo a coincidir seu fim com 1914. A primeira não lhe era conveniente; a segunda, esta não lhe parecia estar de acordo com os fatos históricos. Assim, em conclusão do assunto, ele expressou-se apenas na base da incerteza: 

Há certamente espaço para ligeiras diferenças de ponto de vista sobre este assunto e isso nos leva a conceder um ao outro a mais ampla latitude. A permissão de poder aos gentios pode terminar em outubro de 1914 ou em outubro de 1915. E o período de intensa luta e anarquia “tal como nunca existiu desde que há nação” pode ser o fim conclusivo dos tempos dos gentios ou o começo do reinado do Messias (revista supracitada, conforme consta em Crise de Consciência, página 199).

Mas, como vimos no capitulo anterior, 1914 chegou e deixou patente que as previsões de Russell eram falsas. Contudo, o seu sucessor, Joseph F. Rutherford, não estava preparado para admitir um erro sequer. Assim, em pouco tempo cuidou de argumentar que Cristo de fato voltou em 1914, mas que desde então está governando de modo invisível. É isso que defende ainda hoje a liderança religiosa em Brooklyn. Mas como resolveram a questão do ano zero?  

Visto que 1914 foi mantido como uma data importante, estava descartada a possibilidade de adiar para 1915 o fim dos 2520 anos. Desse modo, sem nenhuma justificativa, na década de 1940 foi decidido que os judeus chegaram a Jerusalém em 537 e não em 536 AEC, como se afirmava até então. 

Explicando como equívocos conduziram a uma data certa – 1914 –, o Corpo Governante, em 1988, chamando-os de providenciais, saiu-se com a seguinte explicação: 

Providencialmente, esses Estudantes da Bíblia [como eram então conhecidos os seguidores de Russell e Rutherford] não se haviam dado conta de que não existe ano zero entre “AC” e “EC” (ou “AD”). Mais tarde, quando uma pesquisa feita tornou necessário ajustar 606 AC para 607 AEC, eliminou-se também o ano zero, de modo que ainda valia a predição de “AD 1914”. — Veja “A Verdade Vos Tornará Livres”, publicado em português em 1946 pelas Testemunhas de Jeová, página 242 (Revelação – Seu Grandioso Clímax Está Próximo!, nota de rodapé, página 105).


É possível depreender do texto que as descobertas foram como que simultâneas e mais ou menos por volta da década de 1940. O Corpo Governante, embora cite a palavra “pesquisa”, omite qualquer razão histórica que veio a exigir que 607 AEC passasse a ser o ano da destruição de Jerusalém, bem com também omite o fato de que, já em 1912, Russell demonstrou que sabia da problemática em torno do ano zero. 

Com a palavra “pesquisa”, a Torre de Vigia talvez faça referência ao fato de que os registros históricos datam o primeiro ano de Ciro como sendo 538 e não 536 AEC. Como visto anteriormente, com o objetivo de resolver a questão do ano zero, os “70 anos” passaram a ser somados, não a 536, mas a 537 AEC. Visto que a opção era por somar os “70 anos” ao “primeiro ano de Ciro” como rei de Babilônia, a Torre de Vigia teve que considerar 537, não 536 AEC, como sendo o “primeiro ano de Ciro”. O registro dessa mudança pode ser visto no livro Está Próximo o Reino, que foi lançado em inglês em 1944. 

Está próximo o Reino, página 175.


Mas resolvia apenas parte do problema, pois a liderança religiosa não ignorava o fato de que historiadores apontavam para 538/537 AEC como sendo o primeiro ano de Ciro. Isso pode ser visto na revista A Sentinela de 1º de novembro de 1949, em inglês, página 328. 

Este Gobrias é frequentemente identificado como Dario, o Medo. Daniel 9:1 e 11:1 fala de “o primeiro ano de Dario” como “rei sobre o reino dos caldeus”. Babilônia foi derrubada em outubro de 539 AEC, mas o acerto de contas babilônico ordinária do reinado do rei foi a partir do primeiro dia do mês de Nisã, durante a primavera daquele ano. Daí os meses a partir de Outubro de 539 até 1º de Nisã de 538 AEC, foram referidos como o “começo do reinado”. O primeiro ano completo de Dario seria, portanto, a partir de 1º de Nisã de 538 AEC, até o fim do mês de Adar em 537 AEC, ou, aproximadamente, 24 de março de 538 até 11 de março de 537 AEC, no calendário Juliano (ou, 18 de março de 538 até 5 de março de 537 AEC, calendário Gregoriano). O primeiro ano de Ciro, agora é geralmente datada como 538 aC. Então, se Ciro reinou junto com Dario, o primeiro ano completo de Ciro permitiu mais que dois meses, em 537 AEC, para Ciro emitir seu decreto para a reconstrução do templo em Jerusalém. Mas, se Ciro sucedeu Dário durante, ou logo após o primeiro ano de Dario, em seguida, o primeiro ano completo de Ciro teria seguido a partir de 1º de Nisã de 537 até o fim de Adar em 536 AEC, ou, aproximadamente, 12 de março de 537 até 29 de março de 536 AEC, no calendário Juliano (ou, 6 de março de 537 até 23 de março 536 AEC, calendário gregoriano). Isso permitiria meses suficientes no ano 537 AEC para o decreto de Ciro abranger todo o seu reino, [providenciar] contribuições para a construção a ser feita do templo, para os preparativos da viagem a serem feitos pelos israelitas até Jerusalém, e para eles se estabelecerem nas suas cidades antes do primeiro dia do sétimo mês (Tisri) em 537 AEC. – Esdras 1: 1; 2: 68-70; 3: 1, 6. (A Sentinela de 1º de novembro de 1949, em inglês, página 328; ver original em inglês). 


Nesse artigo, considera-se o caso de um administrador de nome Dario que governou por pelo menos um ano a cidade de Babilônia, possivelmente nomeado por Ciro. Considerando que isso é um fato, a Torre de Vigia argumenta em defesa da possibilidade de que Ciro pode ter assumido o reinado, não em concomitância com Dario (538/537AEC), mas imediatamente após ele, em 537/536 AEC, livrando-se assim de aceitar a data de 538 AEC proposta pelos historiadores. Caso a Torre de Vigia viesse a somar os “70 anos” de Jeremias a 538 AEC, a data da destruição da Jerusalém passaria a ser 608 AEC e, consequentemente, seria obrigada a recuar em um ano a data de 1914. É apenas lógico que isso ela não poderia aceitar. Como então resolveu a questão? Sentindo-se obrigada a se curvar diante da evidência a favor de 538 AEC, a Torre de Vigia considerou que podia aceitar 538 AEC como o primeiro ano de Ciro e ainda assim manter 537 AEC como data a somar “70 anos”. Como fez isso? Por defender que os “70 anos” deviam ser somados, não ao “primeiro ano de Ciro”, mas ao ano da chegada dos judeus a Jerusalém, após serem libertos de Babilônia. Mas há base para se crer que 537 AEC seja a data exata da chegada dos judeus a Jerusalém?

A Bíblia diz que os judeus chegaram a Jerusalém no “sétimo mês”, mas deixa indeterminado o ano. Também diz que foi no “primeiro ano de Ciro” que receberam a ordem para voltar a Jerusalém, mas deixa indeterminado o mês. A Bíblia também informa que, em um tempo posterior, Esdras fez, em quatro meses, o percurso de Babilônia a Jerusalém. Esses dados colocam os judeus chegando a Jerusalém no “sétimo mês” do “primeiro ano” de Ciro – 538 AEC, pois são pelo menos seis meses para se fazer uma viagem que podia ser feita em quatro. Então, para contornar a situação, a Torre de Vigia passa a requerer que os judeus tenham um tempo maior para preparar a viagem. Assim, sugere que, em função desse tempo gasto no preparo da viagem, seria impossível que eles chegassem a Jerusalém ainda no “sétimo” mês de 538 AEC (Esdras 1:1-3; 3:1; 7:9). Novamente, com relação a esse assunto, Russell foi corretamente alertado que o primeiro ano de Ciro foi 538 AEC (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, páginas 91, 92).  Pelo modo como “corrigiu” os erros envolvendo sua cronologia, a Torre de Vigia usufruiu do sonho de toda criança que vive a aborrecer-se com as primeiras contas: onde lhe cabia refazer os cálculos, cuidou de alterar as parcelas de modo a fazer parecer que fez a conta certa. Infelizmente, não se trata de um aprendiz de matemática, mas de uma organização religiosa que alega ser guiada pelo espírito santo de Deus. 


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