A base para a compreensão deste assunto é, na verdade, o cálculo de outra data – o ano de batismo de Jesus Cristo.
Os leitores da Bíblia conhecem muito bem o relato de Daniel, capítulo 9. Ali somos informados de que, depois de se dar a ordem para se reconstruir as muralhas de Jerusalém até a chegada do Messias, havia de se passar 69 semanas. Os livros didáticos nos contam que a cidade de Jerusalém foi destruída pelos babilônios na década de 580 AEC. Por essa ocasião, os babilônios queimaram a cidade, a muralha foi destruída e moradores de Jerusalém foram levados prisioneiros para Babilônia. Em 539 AEC, a própria Babilônia caiu diante do império medo-persa; esse evento permitiu que os judeus prisioneiros voltassem a Jerusalém e reconstruíssem a cidade; mas, devido à oposição de povos vizinhos, a reconstrução do templo ficou interrompida por muitos anos, e só se deu atenção às muralhas por volta de 450 AEC. Jesus foi batizado como o Messias cerca de 480 anos depois, por volta do ano 30 EC.
Intérpretes da Bíblia concluíram que o único jeito de 69 semanas indicarem o ano do batismo de Jesus Cristo é se 69 semanas de dias forem transformadas em 69 semanas de anos.
450 AEC <=> 30 EC = 480 anos
69 semanas X 7 dias = 483 dias (ou: 483 anos)
A ordem para se reconstruir as muralhas de Jerusalém consta no livro bíblico de Neemias (capítulo 2). Mas quando foi emitida? A opção de algumas religiões para se chegar à data foi por contar para trás 483 anos a partir do ano de batismo de Jesus Cristo. Isso foi o que fez inclusive a Torre de Vigia.
Como essa entidade religiosa põe esse evento em 29 EC, ela concluiu que a ordem para se reconstruir as muralhas de Jerusalém foi emitida 483 anos antes – em 455 AEC (os historiadores, no entanto, põem esse evento dez anos depois, em 445 AEC).
Em apoio da correspondência ano–dia, muitos recorrem aos versículos bíblicos de Números 14:34 e Ezequiel 4:6. Quanto a se as Escrituras têm de fato o propósito de estabelecer esse critério, é algo a se discutir; mas o fato é que, de posse desse “critério”, desde o início da era cristã até nossos dias, muitas outras referências bíblicas a períodos de tempos têm sido alvos de interpretações semelhantes ao caso das 69 semanas. Os Adventistas do Sétimo Dia, por exemplo, com base em Daniel 8: 13,14, contam 2300 anos, a partir do ano que estabeleceram para a ordem dada em Neemias – 457 AEC –, e assim chegam a 1844 EC. Esse é o ano que, segundo a igreja, Jesus Cristo assumiu, no céu, a função de Juiz Investigativo.
Seguindo o mesmo curso, assim também se estabeleceu a data 1914. Conforme visto no capítulo anterior, na década de 1870, Charles T. Russell recebeu essa data de Nelson H. Barbour, um pregador oriundo do grupo de Guilherme Miller. Barbour, por sua vez, a recebeu de John A. Brown. Em 1823, Brown converteu os “sete tempos” do capítulo 4 de Daniel em 2520 dias/anos e colocou seu ponto de partida em 604 AEC e, logicamente, o seu fim em 1917 EC. (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, página 40). Para Brown, 604 AEC era o primeiro ano de Nabucodonosor como rei de Babilônia. Como a Bíblia diz que Jerusalém foi destruída no 18º ano de Nabucodonosor (17 anos completos), isso coloca esse evento em 587 AEC (Jeremias 32:1; 52:29). Mas quando esses cálculos chegaram às mãos de Russell, a data de 604 AEC havia sido retardada em dois anos, e não mais indicava o primeiro ano do reinado de Nabucodonosor, mas sim a data da destruição de Jerusalém. Com isso, o primeiro ano do rei de Babilônia foi arbitrariamente recuado de 604 para 623 AEC.
A causa desse engano foi o entendimento de que Jerusalém deveria passar por um período de 70 anos de desolação (2 Crônicas 36:20, 21; Jeremias 25:11). Como Barbour acreditava que o primeiro ano de Ciro como rei de Babilônia foi 536 AEC, relacionou essa data com o fim dos “70 anos” mencionados por Jeremias. Então, tendo somado 70 anos a 536 AEC, obteve 606 AEC como sendo o ano da destruição de Jerusalém (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, páginas 91,92). Sem se aperceber do equívoco, Russell adotou 606 AEC como o ano da destruição de Jerusalém e, consequentemente, a resultante data de 1914 EC. Mas esses números são confusos. Se 604 foi recuado para 606 (dois anos), por que 1917 foi recuado para 1914 (três anos)? Isso se deu porque houve um erro de cálculo. Nas contas de John A. Brown, foi levado em conta que não houve ano zero entre 1 AEC e 1 EC. E isso implica no acréscimo de uma unidade ao resultado obtido. A data de 1914 é apenas o resultado de uma subtração simples: 2520 – 606. Com isso, um segundo erro é acrescentado à cronologia da religião.
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