Como pode ser visto por todo este livro, para todos os erros e possíveis erros que apresentei sobre a religião em consideração, sempre procurei postar as justificativas da Torre de Vigia. E eu teria muito prazer em colocar aqui a sua defesa das acusações que lhe fazem os apóstatas, mas assim como essa organização religiosa não relata quais são as acusações, também, e evidentemente, não apresenta a sua defesa (Nota: a resposta da ATCJ à minha carta pode ser lida aqui). E por que não o faz? Uma explicação apresentada há um século pelo fundador do movimento foi recentemente resgatada como ainda válida:
Perguntaram certa vez a C. T. Russell, primeiro presidente da Sociedade Torre de Vigia (dos EUA), por que ele não se defendia das calúnias. Ele respondeu: “Se a pessoa parar para chutar todo cão que late para ela, nunca irá muito longe.” (A Sentinela de 1º de abril de 1995, página 27).
Essa declaração de Russell foi citada num artigo intitulado “Como os cristãos reagem ao vitupério público”, que, em sua essência, ensina como as Testemunhas devem reagir quando se lhes fazem acusações na mídia. Depois de dizer que é conveniente deixar a cargo dos anciãos qualquer possível contato com a mídia, o artigo recomenda às Testemunhas, com base em Provérbios 14:15, que não devem ser como os inexperientes e acreditar em tudo o que se dizem sobre elas. A autoridade religiosa está absolutamente certa em exortar às Testemunhas que adotem esse procedimento. Também é notável o que diz mais adiante, à página 29:
As Testemunhas de Jeová apreciam quando a pessoa com que falam é imparcial e demonstra a mesma atitude que alguns dos visitantes de Paulo em Roma, que declararam: “Achamos correto ouvir de ti quais os teus pensamentos, porque, deveras, quanto a esta seita, é sabido por nós que em toda a parte se fala contra ela.” — Atos 28:22
Isso nos trás à atenção a virtude de se ouvir os dois lados, que já consideramos em parágrafos anteriores. Curiosamente, é no final desse mesmo artigo que a autoridade religiosa divulga o caso da mesa redonda apresentado em uma TV alemã, onde a opinião de um único telespectador foi suficiente para atestar como mentirosas as afirmações feitas pelos considerados apóstatas – e sem se dignar a dizer quais eram as acusações, bem como sem citar TV e data do programa, o que, por sua vez, acaba por requerer que as Testemunhas formem sua opinião baseada apenas na versão contada pela autoridade religiosa.
Isso salienta mais um lado torpe da Torre de Vigia, que, como é natural, deseja sentir o prazer de poder contar a sua versão sobre os fatos, mas ao mesmo tempo, e sempre que possível, procura fazer que sua versão prevaleça, ainda que para isso tenha que dificultar a que outros analisem os fatos por si e formem a sua própria opinião.
Em suma, quanto a se defender das acusações feitas pela mídia, o artigo considera que o mais apropriado para a Testemunha é concentrar-se no seu serviço de pregação e, nesses locais reservados, responder pessoalmente a possíveis questionamentos dos moradores. Mas quanto a isso, há ainda uma ressalva: depende do tipo de pergunta.
Que dizer se se confrontar no serviço de campo com um apóstata ou com alguém que quer apenas discutir? Se a pessoa não for sincera, usualmente é melhor que nos excusemos e sigamos para a próxima porta. Os apóstatas e os opositores não estão interessados na verdade, mas servem apenas aos objetivos de Satanás. Mas, quando alguém faz perguntas sinceras, podemos apegar-nos a estas e responder à base das Escrituras (Nosso Ministério do Reino de janeiro de 1987, página 8).
Quando a autoridade religiosa autoriza as Testemunhas a classificar pessoas como “sinceras” ou “opositoras” e “apóstatas”, parece-me que o único critério a ser observado é o quão contundente são as acusações e os questionamentos apresentados pelos moradores. Caso algum morador não se deixe convencer pela resposta da Testemunha, deve-se classificá-lo como opositor e largar de mão, pois não é digno de ouvir a verdade que a Testemunha acredita possuir. Nesse respeito, e considerando que Cristo era o enviando de Deus para os judeus do primeiro século, é apenas natural concluir que suas acusações e questionamentos eram demasiadamente contundentes para os ouvintes que o resistiam (e é exatamente isso que lemos nos Evangelhos). Prova isso que Jesus era um mero “opositor”, um “apóstata”, alguém que não estava interessado na verdade? Absolutamente não! Isso indica que um questionamento, uma acusação, deve ser julgado e analisado pelos seus próprios méritos, e jamais deve ser rejeitado como sendo falso, despropositado, simplesmente pelo fato de nos atingir diretamente.
Outro objetivo dessa recomendação (embora não expresso) é reduzir ao mínimo o tempo de exposição da Testemunha a questionamentos e acusações que envolvam suas crenças e sua liderança religiosa, uma vez que, em isso ocorrendo, poderia levá-la a dar início a um processo de investigação de suas próprias crenças ou a investigar por outros meios se de fato procedem as acusações contra a Torre de Vigia. Deduzo que essa preocupação da liderança é real pelo que conta uma revista A Sentinela de 1986, que diz, a título de advertência, o que aconteceu com Testemunhas que expuseram-se, por curiosidade, a matéria considerada “apóstata”:
Ora, o que fará então quando se vir confrontado com ensinos apóstatas — raciocínios sutis — afirmando que aquilo que você crê como Testemunha de Jeová não é a verdade? Por exemplo, o que fará se receber uma carta ou alguma literatura, e, abrindo-a, vê logo que procede dum apóstata? Será induzido pela sua curiosidade a lê-la, só para ver o que ele tem a dizer? Talvez você até mesmo raciocine: ‘Isso não me vai afetar; sou forte demais na verdade. E, além disso, tendo a verdade, não temos nada a temer. A verdade suportará a prova.’ Argumentando assim, alguns nutriram a mente com raciocínios apóstatas e caíram vítimas de sérias perguntas e dúvidas. (Veja Tiago 1:5-8) Portanto, lembre-se da advertência contida em 1 Coríntios 10:12: “Quem pensa estar de pé, acautele-se para que não caia.” (A Sentinela de 15 de março de 1986, página 12).
Observe que raciocínio mais torpe! Imagine que todo mundo, por todas as eras, tivessem resolvido adotar esse raciocínio com o fim de não criar dúvidas sobre suas próprias crenças, sejam elas de qualquer natureza. Então conceitos primitivos de uma terra plana deveriam ainda ser vigentes, o Sol e outros astros seriam deuses para quase todas as culturas, e fenômenos da natureza como raios e trovões deveriam nos causar um pavor descomunal. Doenças há muito erradicadas ou controladas deveriam ainda estar grassando a raça humana, ou talvez até colocando-a à beira da extinção. Para todos esses casos, quer se tratasse de adoração religiosa ou não, diversas culturas ao longo da história formaram suas próprias conclusões e as adotaram como fatos. Mas foram os questionamentos e a investigação que levaram a dúvidas, ou vice-versa, e por fim novas descobertas resultaram em um conceito equilibrado sobre todos esses fatores, o que possibilitou a que enfrentássemos diversos problemas relacionados e sanássemos a muitos deles. E em se tratando do texto bíblico aplicado, trata-se de uma completa distorção do seu sentido original. Pois o contexto trata de idolatria e fornicação, algo que os israelitas no deserto caíram vítimas por não levarem a sério leis básicas de Deus. Essas leis básicas continuam em vigor, mas, assim como na época, continuam também em vigor exortações cristãs de que devemos examinar bem os conceitos religiosos que se nos apresentam para ver se de fato são provenientes de Deus (Atos 17: 11; 1 João 4:1).
E ainda bem antes, em 1977, a autoridade religiosa saiu-se com esta outra justificativa sobre por que não se defende:
Portanto, em vez de entrarem em discussões, quando se fazem acusações falsas, as Testemunhas de Jeová costumam deixar que o peso da apresentação de provas recaia sobre os acusadores. Um bom exemplo disso é o apóstolo Paulo. Quando os inimigos religiosos lançaram contra ele acusações falsas perante o governador romano Félix, Paulo não tentou refutá-las, mas simplesmente salientou que seus acusadores não podiam provar ‘as coisas de que o acusavam’. (Atos 24:13) De modo similar, Jesus Cristo, em certa ocasião, perguntou aos seus opositores: “Quem de vós me declara culpado de pecado?” — João 8:46 (A Sentinela de 1º de julho de 1977, página 414).
O caso de Paulo e de Cristo, como citado acima, parece fornecer um argumento imbatível à autoridade religiosa. É absolutamente verdade que Paulo e Cristo não eram culpados das acusações que lançavam contra eles, mas é esse o caso da Torre de Vigia? Por exemplo, muitas Testemunhas de Jeová tem escutado que a Torre de Viga, contrariando sua postura oficial, assinou secretamente um documento apoiando as Nações Unidas; outras escutam que a autoridade religiosa tem acobertado muitos casos de pedofilia, o que a torna culpada tanto quanto acusa outras religiões de semelhante erro. Este livro e diversos outros acusam essa organização religiosa de ter marcado diversas datas para o fim do mundo, bem como questiona a legitimidade de sua autoridade exercida sobre os fiéis. Para todas essas acusações, há argumentos à espera de respostas por parte da Torre de Vigia. E o que ela faz? Escreve de forma soberba que “as Testemunhas de Jeová costumam deixar que o peso da apresentação de provas recaia sobre os acusadores”. Ora, é muito cômodo escrever isso, uma vez que as Testemunhas estão proibidas de acessar quaisquer provas que se apresente! E sobre apresentação de provas, isso nos remete à penúltima citação, onde se relata que Testemunhas, por curiosidade, analisaram material considerado apóstata e, nas palavras da autoridade religiosa, “caíram vítimas de sérias perguntas e dúvidas”; mas será que essas dúvidas não foram geradas pela robustez das provas apresentadas, em detrimento da fragilidade da argumentação do Corpo Governante, ou talvez, como é em muitos casos, em decorrência da completa ausência de defesa?
E ainda para aqueles que formaram sua opinião sem ouvir a versão das Testemunhas, o Corpo Governante tem algo muito sério a dizer:
Mas, quando pessoas preferem crer nas acusações falsas, terão de sofrer as conseqüências por não terem feito uma investigação sincera. Isto está de acordo com as palavras de Jesus Cristo: “Se, pois, um cego guiar outro cego, ambos cairão numa cova.” — Mat. 15:14 ( revista citada anteriormente, página 414).
Lendo isso em uma revista elaborada pela organização Torre de Vigia, quem diria que justamente essa organização pune com ostracismo social a todo Testemunha que, com base em uma “investigação sincera”, decide não mais se deixar guiar por ela!
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