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1 - Julgado e condenado

As Testemunhas de Jeová compõem uma religião de cerca de oito milhões de fiéis em todo o mundo. Conhecidas mais por seu trabalho intensivo de visita aos lares, elas com certa frequência também são citadas nos noticiários em razão de sua estranha política de não aceitar transfusão de sangue. Por esses e outros motivos, em muitos países elas têm enfrentado dificuldades em ser reconhecidas como religião; apesar disso, persistem em continuar o ministério de pregação, embora de forma discreta, em razão de acreditarem que receberam do próprio Deus a tarefa de pregar as “boas novas do reino”, como costumam definir o ministério de visita aos lares. 

Aos olhos de populares e de muitos ex-integrantes, no entanto, elas não passam de uma seita como tantas outras. Esse conceito, aparentemente pejorativo, em parte deve-se ao fato de se tratar de um grupo fechado, onde os membros são incentivados a não se socializarem muito com pessoas de fora, os quais são chamados de mundanos. Também contribuem para isso as suas crenças exclusivas, separatistas, e a política de ostracismo social a que submetem os ex-integrantes, aos quais nem sequer cumprimentam.  

Independente do conceito que se tenha sobre as Testemunhas de Jeová, parece-me evidente que grande parte da queixa contra elas é que muitas informações essenciais sobre as doutrinas e história da religião são sonegadas às pessoas interessadas, o que as fazem aceitar entrar no movimento  quase que às cegas, em parte atraídas pela bela promessa de um iminente paraíso na Terra e pela calorosa receptividade que encontram nos salões do reino, como as Testemunhas chamam seus locais de culto. Então, depois de muito tempo, muitas vezes depois que lá constituíram famílias, descobrem que a religião não é nada do que lhes ensinaram à porta, quando por ocasião das visitas aos seus lares. 

Nessa situação, onde para muitos a solução seria tão fácil quanto apenas deixar de frequentar os locais de cultos, a realidade é bem mais crua para as Testemunhas de Jeová, pois têm de enfrentar o ostracismo social, cuja determinação dos líderes internacionais – o Corpo Governante – é que nenhum fiel deve conversar com ex-integrantes da religião e que não devem sequer ser cumprimentados. O resultado disso é que a religião tem sido alvo de muita insatisfação, tanto por parte daqueles que saíram ou foram expulsos, deixando lá seus parentes, bem como por parte dos que nela permanecem apenas para manter os laços familiares. 

Em meu caso, depois de 17 anos como Testemunha, fui excomungado em 2011, mas sem nenhum parente na religião. Desde então nenhuma Testemunha de Jeová me dirigiu a palavra, exceto por força das circunstâncias, como, por exemplo, a Testemunha trabalha no comércio ou é funcionária pública e me dirige a palavra em razão de que está numa função que a obriga a isso. Esse comportamento, porém, é desagradável não só para o ex-integrante da religião, mas também para a Testemunha, de quem é rigorosamente exigido que aja dessa forma, pois, segundo lhe instrui o Corpo Governante, a Bíblia diz que é exatamente assim que devem ser tratados os excomungados. 

Naturalmente que muitos ex-integrantes, que agora sofrem as agruras desse ostracismo implacável, prefeririam não ter sido Testemunhas de Jeová. Em razão disso, apesar de este capítulo ter como objetivo contar por que fui excomungado, direi inicialmente como alguém se torna Testemunha de Jeová. Pois é justamente nessa parte do ingresso na religião que residem as armadilhas destinadas a enlaçar novos conversos.  Vejamos se não é assim.

(sumário <> voltar <> avançar <> perfil do autor)

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