O Corpo Governante enfatiza que esse compromisso de lealdade é dirigido ao Deus do céu, o Criador de todas as coisas. Suas próprias publicações têm enfatizado que entre ser leal a Deus e ser leal a uma autoridade humana, a lealdade a Deus tem primazia se essas exigências estiverem em conflito. Por exemplo, como o Corpo Governante considera que saudar a bandeira nacional equivale a um ato de idolatria, quando isso for exigido a uma Testemunha de Jeová, ela tem que escolher a quem será leal, se a Deus ou à autoridade humana (Atos 5:29).
Mas o Corpo Governante também não tem deixado de exigir lealdade para si. Na citação a seguir, o termo “organização” deve ser entendido como mais um sinônimo para Corpo Governante, embora, em outros casos, se refira à inteira associação de Testemunhas de Jeová.
"Lealdade à organização de Jeová. Passamos agora a tratar do assunto de se ser leal à organização visível de Jeová. Nós certamente devemos lealdade a ela, inclusive ao “escravo fiel e discreto”, por meio de quem a congregação cristã é alimentada espiritualmente. (Mateus 24:45-47) Suponhamos que apareça nas publicações da Torre de Vigia algo que não entendemos ou com que não concordamos no momento. O que faremos? Ficar ofendidos e abandonar a organização? Isto foi o que alguns fizeram quando, há muitos anos, A Sentinela aplicou o novo pacto ao Milênio. Outros ressentiram-se do que A Sentinela certa vez disse sobre a questão da neutralidade. Se aqueles que tropeçaram por causa destes assuntos tivessem sido leais à organização e aos seus irmãos, teriam esperado que Jeová esclarecesse esses assuntos, o que ele fez no tempo devido. De modo que a lealdade inclui esperar até que o escravo fiel e discreto publique entendimento adicional (A Sentinela de 15 de março de 1996, páginas 16,17). ---
"Todos nós, como dedicadas Testemunhas de Jeová, temos de ser leais a ele e à sua organização. Nunca devemos nem pensar em desviar-nos da maravilhosa luz de Deus, seguindo um rumo apóstata, que pode levar à morte espiritual agora, e por fim à destruição. (Jeremias 17:13) Mas, o que devemos fazer quando achamos difícil de aceitar ou de plenamente entender algum ponto bíblico apresentado pelo escravo fiel? Admitamos então humildemente de quem aprendemos a verdade e oremos pedindo sabedoria para lidar com esta provação até que ela termine com algum esclarecimento publicado sobre o assunto. — Tiago 1:5-8 (A Sentinela de 15 de novembro de 1992, página 20).
Como se pode ver, o juramento de lealdade que se faz por ocasião do batismo, ainda que se creia que seja um juramento de lealdade a Deus, na verdade se trata de um juramento de lealdade àquilo que a autoridade religiosa acha que seja lealdade a Deus.
O texto de Atos 5:29 nesse caso é totalmente descartado, pois mesmo que a Testemunha esteja consciente de que determinado conceito do Corpo seja errado, ela fica proibida de ser leal a Deus antes que aos homens. Agir de modo diferente, expressando abertamente essas discordâncias, pode ter como consequência a desassociação.
Os exemplos de revisão doutrinárias citados pelo Corpo são questões menores, mas questões maiores afetaram profundamente a vida de milhares de Testemunhas de Jeová. Vejamos dois exemplos.
É determinação do Corpo Governante, com suposta base bíblica, que nenhum jovem Testemunha de Jeová preste serviço militar. Diante dessa recusa por parte de alguns cidadãos, muitos países têm oferecido a opção de prestar um serviço civil alternativo, que muitas vezes pode envolver apenas prestar serviço em um hospital, ou apenas trabalhar para si mesmos. Mas durante muitas décadas foi interpretação do Corpo Governante de que esse serviço civil alternativo era um serviço equivalente, portanto, igualmente inaceitável. O resultado é que milhares de jovens Testemunhas por todo o mundo passaram anos em prisões – tudo em razão de ser leal àquilo que o Corpo Governante achava que se tratava de lealdade a Deus. Em anos recentes, no entanto, a autoridade religiosa passou a explicar que cabe a cada jovem decidir o que fazer, se presta serviço civil alternativo ou aceita a prisão como consequência.
Como visto anteriormente, as Testemunhas de Jeová não aceitam passar por uma transfusão de sangue. A respeito desse assunto, a revista A Sentinela de 15 de junho de 2000 trouxe uma reinterpretação do tema.
Segundo a revista, a medicina moderna divide o sangue em quatro componentes básicos: glóbulos brancos, globos vermelhos, plasma e plaquetas. Argumenta que, ao passo que antigamente o sangue total era transfundido no paciente, atualmente é mais comum a transfusão dessas frações e até de frações desses quatro componentes “básicos”. O Corpo Governante mantém a posição de que continua sendo proibida a transfusão de sangue total e também dos componentes “básicos”, mas deixa a critério do paciente Testemunha decidir, pelo uso da própria consciência, se aceita transfusão de frações das frações.
O uso medicinal de frações de glóbulos brancos, glóbulos vermelhões e plasma estiveram à disposição de muitas Testemunhas que podem ter morrido enquanto vigorava a posição anterior do Corpo Governante. Embora a autoridade religiosa não expresse remorso diante da possibilidade de alguma responsabilidade nisso, resta o fato de que, se a transfusão de fração das frações atualmente não é estreitamente proibida por Deus, então também não o era em décadas passadas, o que significa que Testemunhas de Jeová podem ter vindo a óbito em consequência de lealdade a homens.
Diante do que acima foi apresentado, é surpreendente que a autoridade religiosa, em mais um dos seus requerimentos de lealdade para si, até tem procurado firmar-se em Deus como um dos seus apoiadores leais, tal qual fazem alguns políticos quando se apoiam em figuras influentes como meio de captar apoio popular.
"A lealdade a Deus inclui também ser leal à sua organização. No decorrer dos anos, houve a necessidade de correções e ajustes no nosso entendimento de certos textos bíblicos. O fato é que ninguém está tão bem alimentado espiritualmente como nós. (Mateus 24:45-47)
Sem dúvida, Jeová tem apoiado lealmente a sua organização atual. Não podemos fazer o mesmo? (
A Sentinela de 1º de outubro de 2001, página 22).
Mas os fatos têm mostrados que Testemunhas de Jeová estão sujeitas a serem excomungadas por ações consideradas pecados, mas que outras, em razão de tais revisões, poderão praticar as mesmas ações de boa consciência. A simples possibilidade de que isso pode ter acontecido deveria soar um alerta ao Corpo de que ele não é capaz de estabelecer padrões perfeitos, imutáveis, do que seja lealdade a Deus. Mas não há nenhum sinal de que a autoridade religiosa caminha em direção a uma posição mais equilibrada. Ela, em vez disso, mantém a exigência de lealdade à “organização” como único meio de se provar lealdade a Deus – mesmo que, a posteriori, isso se revele apenas que se foi leal a homens antes que a Deus.
Essas questões de lealdades aqui consideradas constitui algo fundamental para que uma Testemunha de Jeová possa tomar decisões equilibradas sobre o que fazer diante de situações difíceis, quando questões sérias estão em jogo. Mas bem poucas Testemunhas chegam a esse ponto, e muito tem a ver com o fato de que a autoridade religiosa não permite nenhum tipo de questionamento, o que resulta em se permanecer por décadas, talvez pela vida inteira, numa condição embrionária, absolutamente subordinada aos argumentos do Corpo Governante, sejam eles quais forem.
Comentários
Postar um comentário