A audiência judicativa fora num sábado; no sábado seguinte venceu o prazo para recurso e na reunião da quinta-feira seguinte deveria ser dado um anúncio pelos microfones do templo de que Lourisvaldo de Santana Neves não é mais Testemunha de Jeová. Eu estava decidido a não ir a essa reunião, pois evitaria a desagradável sensação que isso iria me causar, mas estava decidido a não perder reuniões, nem sequer uma. Então na reunião de domingo, estando todos de pé para ouvir a oração final, Ivaldo Santiago dirigiu-se ao microfone e deu o tal anúncio que eu esperava para quinta-feira. Em reação ao anúncio, ouvi murmúrios de espanto por parte de alguns presentes. Eu era uma pessoa querida na congregação, podia dizer que tinha alguns amigos e muitos tinham em mim uma boa confiança quanto à minha estabilidade espiritual. Certamente eles não esperavam esse acontecimento, mas era isso que acabaram de ouvir.
Não esperei terminar a oração para deixar o templo; enquanto estavam todos de cabeça inclinada e de olhos fechados, catei minha pasta e saí. Ficar até depois disso é uma realidade demasiadamente cruel para muitos excomungados, pois o desprezo é imediato, como se de repente aquele querido irmão tenha passado a ser portador de uma doença mui repugnante. Sobre isso, uma Testemunha que fora excomungada à idade de 91 anos disse o seguinte:
Em confirmação de que Harding diz a verdade, a revista A Sentinela de 15 de abril de 2015 trás uma gravura reveladora, como pode ser vista abaixo.
A imagem retrata o que aparenta ser o tratamento dispensado a uma Testemunha que acabou de ser desassociada. Cinco grupos de Testemunhas são mostrados em momentos de confraternização, ao passo que a desassociada é retratada isolada junto à porta de saída.
O artigo apresenta três supostas razões pelas quais a desassociação deve ser considerada uma provisão amorosa. Uma dessas supostas razões é justamente a retratada na imagem: a inveja, por parte da desassociada, da fraternidade que acabou de perder. Segundo explica o artigo, esse sentimento de perda pode induzir o excomungado a cair em si, e, em um gesto de humildade, fazer o doloroso caminho de volta, que inclui assistir regularmente às reuniões, ainda que, para isso, tenha que se expor, por meses ou anos, à discriminação que a revista retrata.
Como eu estava decidido a fazer o caminho de volta, essa discriminação foi uma realidade para mim por mais de um ano. No entanto, para minimizar a agonia, adotei por hábito entrar no Salão do Reino somente depois de iniciada a reunião, quando todas as Testemunhas já estão acomodadas em seus lugares, bem como foi hábito sair alguns minutos antes do término. É comum que muitos desassociados ajam dessa maneira, pois os momentos antes e depois das reuniões são aproveitados para confraternizações – uma ocasião propícia para se mostrar desprezo a qualquer desassociado presente.
A razão de minha desassociação foi pornografia; então eu deveria poder dizer, em um ano, que estava há um ano sem ver pornografia.
Com o objetivo de evitar a tentação, iniciei uma jornada solitária, emocionalmente debilitante. Com isso, passaram-se os meses finais de 2011 e janeiro de 2012. O mês de fevereiro foi especialmente difícil em razão da tentação de ver, na TV, as carnavalescas seminuas. Resisti o quanto pude, mas, indo e vindo pelos canais, volta-e-meia parava nos canais de carnaval. O resultado foi que me abateu uma severa crise de depressão, pois a consciência me acusava de ter violado o compromisso de não ver pornografia. Procurei me convencer de que isso não constituía um pecado grave, que Deus era perdoador. Mas então a consciência me disse que cabia aos anciãos decidir quanta gravidade isso constituía. Mas caso confessasse aos anciãos, isso poderia induzi-los a decidir manter a desassociação. Assim, essas especulações mentais somente tendiam a piorar o meu desgaste emocional.
Conforme conto na carta confissão, o suicídio foi uma constante na minha vida como Testemunha, mas que, por aquela ocasião, não alimentava pensamentos suicidas. Agora, em nova condição, mais uma vez os pensamentos me embaralhavam a razão, e muitos deles me conduziam por trilhas onde o suicídio era a meta. – tudo em razão de considerar a possibilidade de não ser aceito de volta pelos anciãos.
Sem ninguém a quem recorrer em busca de ajuda, somente consegui recobrar o controle das emoções quando considerei a possibilidade de os anciãos enxergarem a minha confissão com bons olhos. Assim, estava decidido; os anciãos ficariam sabendo que vi imagens sensuais na TV. Conforme me obriguei a acreditar, eles veriam em mim algo de bom, o que certamente os motivariam a me aceitar de volta ao rebanho santo de Jeová.
Passado essa ocasião de desespero, sobreveio-me um incidente desagradável que eu podia facilmente ter evitado. Chegando a época da páscoa, concentrei meus pensamentos na ocasião memorável em que Cristo instituiu a celebração de sua morte e exigiu que ela fosse lembrada até que ele voltasse. As Testemunhas de Jeová celebram a páscoa anualmente, mas somente alguns tomam do pão e do vinho. O Corpo Governante ensina que esses poucos têm de Deus a garantia de que vão para o céu; aos demais resta estar presentes como observadores, uma vez que a estes aguarda apenas a vida eterna na terra restaurada.
Assim, durante a celebração, sentei-me, como de costume, entre as Testemunhas e convidados; nessa ocasião especial, os convidados são maioria, chegando a ser mais que o triplo de Testemunhas. A um determinado momento da cerimônia, começa-se a passar o pão e o vinho entre os presentes, mas não sem orientações claras de que só tomarão deles quem tiver sido escolhido para ir morar no céu (em Guadalupe ninguém toma, mas pelo mundo inteiro, o total dos que tomam chega a cerca de quinze mil). Então, estando uma bandeja de pães sem fermento circulando de mão em mão, chegou a minha vez de recebê-la e, coincidentemente, era numa mudança de fileira e ela foi entregue a um auxiliar da cerimônia, que a passou, não para mim, mas à pessoa ao meu lado, que deveria fazê-la então seguir de mão em mão. Eu, estupefato, havia ficado com a mão estendida no vazio. Já prevenido, quando se deu a passagem do vinho, a situação se configurando a mesma, cruzei os braços e uma taça de vinho passou por mim sem maiores constrangimentos. A pessoa sentada do meu lado era um visitante e não deve ter entendido absolutamente nada; eu, por minha parte, entendi tudo. A literatura do Corpo Governante diz que desassociados não devem ser convidados para a celebração da páscoa, mas nada diz sobre não entregar pão e vinho a eles. Ao que me parece, isso deve estar escrito numa das cartas que são destinadas exclusivamente aos anciãos. Eu entendi plenamente a situação, mas acho que não precisava passar por tal vexame que, em última análise, foi resultado, não de equívoco, mas de uma ignorância minha sustentada e promovida pelo próprio Corpo Governante.
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