Pular para o conteúdo principal

1925

A maioria das Testemunhas de Jeová talvez conheça algo a respeito da expressão “Milhões que agora vivem jamais morrerão”. Bem poucas delas sabem exatamente o que significou essa expressão para quem a leu nos primeiros anos da década de 20. Rutherford aparentemente não se mostrou incomodado com o fracasso de suas palavras a respeito de 1918 e 1920. Então, antes que 1920 terminasse, ele surgiu com uma nova data: 1925. Ela era o teor de um folheto de cerca de 130 páginas, que se intitulava Milhões que agora vivem jamais morrerão. Era originalmente um discurso, que Rutherford proferia desde 1918. Não tenho conhecimento de que nele se fizesse referência a 1925, não antes de 1920, quando apareceu na forma impressa. Em confirmação deste assunto, leiamos as palavras do livro Proclamadores do Reino

Uma vez terminados os Tempos dos Gentios, eles [como ocorre com outros assuntos, a liderança atual procura diluir pelo o rebanho a culpa pelo equívoco que verdadeiramente se originou na mente Rutherford] achavam que o tempo da restauração estava muito próximo; portanto, de 1918 a 1925, proclamavam: “Milhões que agora vivem jamais morrerão.” Sim, entendiam que as pessoas que viviam naquele tempo — a humanidade em geral — tinham a oportunidade de sobreviver, de entrar no tempo da restauração e receber então instruções concernentes aos requisitos de Jeová para a vida. Sendo obedientes, atingiriam gradativamente a perfeição humana. Sendo rebeldes, seriam, com o tempo, destruídos para sempre (Proclamadores do Reino, página 163).

Rutherford baseava sua explicação numa combinação das passagens bíblicas que tratam do jubileu (Levítico 25) e dos “setenta anos” mencionados por Jeremias (2 Crônicas 36:17-21; Jeremias 25:11). O jubileu era uma festividade dos judeus, que fora instituída por Deus para ser comemorada a cada 50 anos a contar do ano em que eles saíram do Egito. Rutherford entendia que esse ano foi 1575 AEC (A organização Torre de Vigia revisou suas contas e hoje afirma que essa data é 1473 AEC). Crente de que tinha descoberto o segredo, Rutherford multiplicou 50 por 70 e achou 3500. Desse total subtraiu 1575 e obteve 1925. 

Em confirmação deste assunto, leiamos alguns trechos do folheto que ele escreveu: 

O Senhor ordenou a Moysés inaugurar o systema do Sabbado no anuo em que Israel entrou na terra de Cannan, 1575 annos antes de Christo. (Levitico, 25 :1-12) [...] Outras Escripturas mostram que haviam de guardar setenta jubilos . (Jeremias, 25 :11 : 2.° Chronicas 36 :17-21). Simplesmente calculando estes jubilos, chegamos ao seguinte facto importante Setenta jubilas de cincoenta anos cada um dará o total de 3 .500 annos. Este período de tempo principiando 1 .575 annos antes da éra Christan, naturalmente terminará no outomno do anuo 1925, data esta, na qual termina o tvpo, o grande prototypo se iniciará (extraído da versão brasileira de Milhões que agora vivem jamais morrerão, página 110).

Segundo o capítulo 25 de levítico, uma característica básica do jubileu estava relacionada com a palavra restituição. Mais especificamente, nesse ano todo israelita que se havia vendido como escravo tinha de volta a sua liberdade, bem como também todo terreno vendido para cultivo era devolvido ao dono anterior. Foi com base nesse quesito da restituição que Rutherford fez a mais ousada afirmação com respeito a 1925. Leiamos: 

A cousa principal a ser restituída é vida á raça humana, desde que outras eseripturas definitivamente estabelecem facto, de que Abrahão, Isaac e Jacob resussitarão e outros fiéis antigos, e que estes seriam os primeiros favorecidos, podemos esperar em 1925 a volta desses homens fiéis de Israel, resurgindo da morte e completamente restituído á perfeição humana, os quaes serão visíveis e reaes represerutantes da nova ordem das cousas na terra (extraído da versão brasileira de Milhões que agora vivem jamais morrerão, páginas 110 e 111).

Nota-se por suas próprias palavras que Rutherford estava crente que 1925 marcava de fato o estabelecimento do Reino de Deus na terra. 

Uma vez estabelecido o Reino do Messias, Jesus e sua egreja glorificada, a qual constitue 0 Messias, estes ministrarão as bençams ao povo, as quaes por tanto tempo estão esperando e orando. [...] Como previamente temos demonstrado, o grande cyclo do jubilo deve principiar em 1925 . Nesta data a parte terrestre do Reino será reconhecido (extraído da versão brasileira de Milhões que agora vivem jamais morrerão, páginas 111 e 112).

As próximas palavras de Rutherford são em tom conclusivo, além de salientar o ponto anterior, isto é, que 1925 marcará o fim do mundo e o início do Reino de Deus. 

Baseado nos argumentos até aqui apresentados, isto é, que a ordem velha das cousas, o velho mundo está se findando e desapparecendo, e que a nova ordem ou organização está se iniciando, e que 1925 será a data marcada para ressurreição dos anciões dignos e fiéis, e o principio da reconstrucção, chega-se á conclusão razoável de que milhões dos que vivem agora na terra, ainda estarão vivos no anuo de 1925, Então, baseados nas promessas encontradas nas palavras Divinas, chegamos á positiva e indiscutível conclusão de que, milhões que agora vivem jamais morrerão (extraído da versão brasileira de Milhões que agora vivem jamais morrerão, página 122).

É óbvio que 1925 passou sem que nada de anormal acontecesse. Diferentemente de 1914, uma data mantida em razão de que passaram a atribuir a ela outro significado, 1925 foi completamente abandonado. O que a Organização Torre de Vigia tem a dizer sobre essa data? Muito raramente ela é citada – algo que é muito fácil de compreender. A liderança da religião, mesmo sem citar 1925, prefere deter-se em fazer alarde sobre quão grande foi a campanha de distribuição do folheto Milhões que agora vivem jamais morrerão – cujo alvo era 1925

Em comprovação disso, o anuário de 1976, debaixo do subtítulo A “CAMPANHA DOS MILHÕES” expressa-se profusamente: 

A “Campanha dos Milhões” durou algum tempo, e deu-se, por esse meio grande testemunho. Anúncios dos jornais e em tapumes para cartazes com as palavras “Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão” foram usados para trazê-lo à atenção do público. Tão extensiva era a campanha que o lema tem sido lembrado através dos anos (Anuário das testemunhas de Jeová de 1976, página 127).

O anuário do ano seguinte, também debaixo do subtítulo A “CAMPANHA DOS MILHÕES”, expressa-se até em tom de comemoração (os colchetes são da Torre de Vigia): 

As igrejas da cristandade começaram a sentir o calor direto da mensagem. “Na verdade”, afirma o relatório anual de 1923, “em um povoado, uma inteira Igreja Apostólica foi fechada graças ao efeito penetrante de nossa mensagem e isto alegra o coração de todos os ligados à obra. Um escritor do ‘Kerkbode’, jornal da Igreja Holandesa, cumprimentou a A. I. E. B. [Associação Internacional dos Estudantes da Bíblia] no outro dia por declarar que, embora não concordasse com nossas doutrinas, todavia, ele elogiava o zelo dos seguidores da A. I. E. B. perante os adeptos da Igreja Reformada Holandesa.” (Anuário das testemunhas de Jeová de 1977, página 89).

O assunto 1925 até foi abordado no livro de história da organização, o livro Proclamadores do Reino. Para quem já conhecia o modo de a liderança lidar com essas questões, não foi surpresa a maneira como o assunto foi tratado. Muitas Testemunhas de Jeová, no entanto, pela primeira vez puderam ler alguma coisa a respeito dessa data. O livro foi lançado em 1993, o ano anterior ao meu batismo como Testemunha de Jeová. Iniciante na organização, fiquei mais empolgado com as belas gravuras do que com o conteúdo em si. Ademais, que razões eu tinha para ler um livro tamanho caderno, de mais de 700 páginas? Somente alguns anos depois, numa leitura casual, foi que “tropecei” em 1925. E como se tratava de uma leitura casual, na casualidade o assunto ficou. Não presumo que meu caso seja único. O assunto 1925 está cuidadosamente diluído pelo livro, algo que torna muito difícil entender exatamente o que foi esse assunto para quem nele depositou fé em princípio dos anos 20. Além disso, quando o assunto é abordado, o caso é sempre contado de modo a fazer parecer que não houve nada de tão grave. Para que o leitor conclua por si, leiamos um exemplo: 

No discurso “Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão”, proferido por J. F. Rutherford em 21 de março de 1920 no Hippodrome, na cidade de Nova Iorque, dirigiu-se atenção ao ano de 1925. Em que base se pensava ser este significativo? Num folheto publicado naquele mesmo ano, 1920, foi dito que, se 70 plenos jubileus fossem calculados a partir da data em que Israel, segundo se entendia, entrou na Terra Prometida (em vez de começar depois do último jubileu típico ocorrido antes do exílio babilônico e daí contar até o início do ano do jubileu no fim do ciclo de 50 anos), isso poderia apontar para o ano de 1925. À base do que se dizia ali, muitos esperavam que talvez os remanescentes do pequeno rebanho recebessem sua recompensa celestial em 1925. Esse ano também era relacionado com expectativas de ressurreição de fiéis servos de Deus pré-cristãos com o fim de servirem na Terra como representantes principescos do Reino celestial. Se isso realmente ocorresse, isso significaria que a humanidade havia entrado numa era em que a morte deixaria de ser dominadora, e milhões que então viviam podiam ter a esperança de nunca desaparecer da Terra por causa da morte. Que feliz perspectiva! Embora equivocada, eles ansiosamente partilharam-na com outros. 

Mais tarde, durante os anos de 1935 a 1944, uma revisão do esquema geral da cronologia bíblica revelou que uma má tradução de Atos 13:19, 20 na King James Version, junto com certos outros fatores, causara um erro de mais de um século na cronologia. Isto mais tarde levou ao conceito — às vezes declarado como possibilidade, às vezes mais firmemente — que visto que o sétimo milênio da história humana começaria em 1975, os eventos associados com o início do Reinado Milenar de Cristo poderiam começar a ocorrer então. 

Eram corretas as crenças das Testemunhas de Jeová nesses assuntos? Elas certamente não erraram em crer que Deus sem falta faria o que prometera. Mas alguns de seus cálculos de tempo e as expectativas que ligavam a estes causaram sérios desapontamentos. 

Depois de 1925, a assistência às reuniões caiu drasticamente em algumas congregações na França e na Suíça. De novo, em 1975, houve desapontamento quando as expectativas sobre o início do Milênio não se concretizaram. Em resultado, alguns se afastaram da organização. Outros, porque tentaram subverter a fé de associados, foram desassociados. Sem dúvida, o desapontamento com relação à data era um fator, mas, em alguns casos, as raízes eram mais profundas. Alguns indivíduos também argumentavam contra a necessidade de participar no ministério de casa em casa. Alguns não escolheram simplesmente seguir o seu próprio caminho; tornaram-se agressivos na sua oposição à organização com a qual outrora se associavam, e serviram-se da imprensa e da televisão para divulgar seus conceitos. Não obstante, o número dos dissidentes foi relativamente pequeno. 

Embora esses testes resultassem numa peneiração e alguns fossem levados como a palha ao se joeirar o trigo, outros permaneceram firmes. Por quê? Sobre sua própria experiência e a de outros em 1925, Jules Feller explicou: “Os que haviam depositado a sua confiança em Jeová permaneceram firmes e continuaram a sua atividade de pregação.” Eles reconheceram que se havia cometido um equívoco, mas que de modo algum a Palavra de Deus falhara, e, assim, não havia razão para deixar que a sua esperança minguasse ou de esmorecer na obra de apontar para as pessoas o Reino de Deus como a única esperança da humanidade (Proclamadores do Reino, páginas 632, 633).

Diante dos fatos, o leitor pode decidir por si qual qualificativo se deve atribuir a essas palavras. Eu não consigo ler isso sem sentir que estou diante de palavras vazias, as quais, embora tenham certo teor de confissão, são expressas de modo a amenizar a gravidade do erro, além de atribuir às vítimas algo mais do que uma pura e humana reação diante de uma clara defraudação. Sobre esse último conceito, o penúltimo parágrafo é revelador.

A Organização Torre de Vigia podia servir-se da abordagem do assunto e humildemente pedir desculpa pelo equívoco referente a 1925. Dizer qualquer outra coisa iria além do que o bom senso recomendaria. Mas não há nenhum pedido de perdão, nenhuma lamentação. Pelo contrário, a ocasião é aproveitada para justificação, como se um erro de cálculo, uma tradução malfeita de certo versículo, ou qualquer outra coisa pudesse inocentá-los das falsas afirmações que fizeram. Depois de se justificarem, a conclusão deles é que todos aqueles que deixaram o grupo religioso foram, não em resultado de terem acordados quanto à verdade, mas porque foram reprovados no que definem como ato de “peneiração”. 

Como se Deus tivesse passado a selecionar seus servos apenas dentre aqueles que facilmente se deixassem ser enganados...




Comentários