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1 Coríntios 5: 9-11

Eu lhes escrevi na minha carta que parassem de ter convivência com os que praticam imoralidade sexual, não querendo dizer toda a convivência com as pessoas deste mundo que praticam imoralidade sexual, ou com os gananciosos, com os extorsores ou com os idólatras. Nesse caso, vocês teriam realmente de sair do mundo. Mas eu lhes escrevo agora que parem de ter convivência com qualquer um que se chame irmão, mas que pratique imoralidade sexual, ou que seja ganancioso, idólatra, injuriador, beberrão ou extorsor; nem sequer comam com tal homem.

Os versículos anteriores desta declaração de Paulo nos informam que na congregação de Corinto havia um caso grave de imoralidade sexual e Paulo recomenda que o pecador seja excluído da convivência amigável com os cristãos. Essa recomendação de Paulo, juntamente com outras partes da Bíblia, contribuiu para que se formasse o conceito de excomunhão, que é uma doutrina básica de muitas religiões cristãs. Dessa declaração de Paulo, o Corpo Governante entende que o apóstolo recomenda que se corte por completo a associação com o pecador, inclusive nem sequer podendo ter uma refeição em companhia dele – e as Testemunhas de Jeová têm posto isso em prática pelo mundo inteiro.

A respeito disso, lembro-me de que certa vez passei alguns dias almoçando numa casa de Testemunhas em que um filho era desassociado. No primeiro dia essa pessoa esteve à mesa e até trocamos algumas palavras. Eu sabia da proibição, mas considerei de extrema falta de educação estar à mesa com alguém e fingir que essa pessoa é invisível. Nos dias seguintes, porém, o filho desassociado não mais ficava à mesa; apenas fazia seu prato e saía para comer em algum outro cômodo da casa. Não me permiti perguntar o porquê disso, mas deduzo que, em razão da minha presença, ele foi ordenado a não estar presente nas horas da refeição. Raymond Franz, que já foi citado muitas vezes até aqui, foi excomungado com base nesse conceito. Uma vez que fora flagrado tendo uma refeição à mesma mesa que seu empregador, que havia há pouco deixado – voluntariamente – de ser Testemunha de Jeová, ele foi convocado para interrogatório e por fim decidiram excomungá-lo, apesar de todos os esforços dele em convencer os anciãos de que não havia cometido nenhum pecado (veja o seu livro Crise de Consciência, páginas 392-422). Baseado nessa intepretação, o Corpo Governante estendeu sua aplicação a outras áreas da vida, como mostra a revista A Sentinela:

Uma refeição é uma ocasião de descontração e contato social. Portanto, a Bíblia exclui aqui também a associação social, tal como participar com o expulso num piquenique ou em festa, jogo de bola, ida à praia ou ao cinema, ou tomar uma refeição com ele (A Sentinela de 15 de dezembro de 1981, página 20).

Mas será que Paulo pretendia que suas palavras fossem entendidas dessa forma? Como resposta, vejamos outra declaração de Paulo com o mesmo teor, agora em sua carta aos tessalonicenses:

Mas, se alguém não for obediente ao que dizemos nesta carta, tomem nota dele e parem de se associar com ele, para que fique envergonhado. Contudo, não o considerem como inimigo, mas continuem a aconselhá-lo como irmão (2 Tessalonicenses 3:14,15).

Como é possível ‘continuar a aconselhar como irmão’ se nem sequer é permitido trocar umas palavras com o pecador ou sequer ter uma refeição em companhia dele?

Como visto, as palavras de Paulo aos tessalonicenses parecem contrariar o entendimento do Corpo Governante a respeito de como se deve tratar um desassociado.

Mas a autoridade religiosa não considera assim e apresenta uma explicação alternativa para as palavras de Paulo; como pode ser visto a seguir, ela considera que Paulo não estava tratando de pecados graves, quando o pecador nem sequer merecia ter nossa companhia à mesa, mas tratava de coisas pequenas, um tanto inofensivas:

No entanto, o que se dá quando há alguém que se desvia significativamente dos princípios de Deus, sendo talvez crassamente preguiçoso ou crítico, sendo ‘conversador improfícuo’, que constantemente ‘intromete-se no que não lhe diz respeito’? (2 Tes. 3:11) Ou o problema talvez seja o de tramar tirar vantagens materiais dos outros, o de entregar-se a diversões que claramente são impróprias ou o de envolver-se em conduta duvidosa, que neste ponto ainda não merece uma ação judicativa. Os anciãos tentaram ajudá-lo, mas ele persiste e pode afetar outros na congregação ou constituir um perigo para os outros. Os anciãos poderão considerar o assunto e talvez designar um dentre eles para proferir um discurso bíblico firme e direto sobre o assunto perante a congregação. Sem mencionar o ‘desordeiro’ por nome, os anciãos talvez possam assim “fechar a boca” de tal homem desregrado. — Tito 1:10-13. 

Caso tal situação exista numa congregação, os cristãos individuais talvez se sintam obrigados a ‘tomar nota’ dessa pessoa. Paulo explicou o que está envolvido nisso, em parte, dizendo: “Parai de associar-vos com ele, para que fique envergonhado.” (2 Tes. 3:14) Isto significa para você cortar seu envolvimento social com a pessoa ‘notada’. [...] 

Você ainda estará por perto do cristão ‘notado’, nas reuniões congregacionais e no serviço de campo. De modo que poderá ter a oportunidade de cumprir com sua outra obrigação envolvida em ‘tomar nota’ dele: “Não o considereis como inimigo, mas continuai a admoestá-lo como irmão.” (2 Tes. 3:14, 15) (A Sentinela de 1º de dezembro de 1981, páginas 20, 21).

É verdade que as palavras de Paulo em 2 Tessalonicenses 3:14,15 foram ditas pouco depois de ele considerar que não era apropriado que um cristão comesse sem trabalhar. Embora isso de certa forma possa justificar o entendimento do Corpo Governante, é preciso notar que Paulo não restringiu a aplicação de suas palavras ao contexto imediato, mas a toda a sua carta de três capítulos. E a respeito do conteúdo dessa carta, é digno de nota o capítulo 2, onde Paulo considera a existência do “homem que viola a lei”, que no entendimento geral se trata de um desvio para a apostasia. E ninguém pode ler as cartas de Paulo sem deixar de notar que já na sua época havia uma grave tendência para a apostasia, e certamente a congregação de Tessalônica não estava imune a esse mal, o que tornava mui válida as palavras de Paulo que ora consideramos. O próprio Corpo Governante considera inaceitável que uma Testemunha de Jeová se associe com alguém considerado apóstata e quanto a isso, no que tange a apostasia, as palavras finais de Paulo caberiam muito bem ao conceito da autoridade religiosa. Portanto, era apenas questão de escolher que extensão dar às palavras de Paulo. Como ‘parar de se associar’, mas ‘continuar a aconselhar como irmão’, não se adequa ao conceito preconcebido, a escolha foi por restringir as palavras do apóstolo ao contexto imediato, mesmo sendo possível ler nelas que se aplicam a toda a carta. Feito isso, o Corpo Governante pôde continuar afirmando que Paulo proíbe qualquer contato com pessoas desassociadas, não sendo permitido nem mesmo ter uma refeição à mesma mesa que elas.

Outra maneira de sabermos se as palavras de Paulo visavam ser encaradas como uma proibição é vermos como elas foram encaradas pelos cristãos de Corinto. Depois que o pecador fora “desassociado”, isto é, os cristãos de Corinto deixaram de se associar com ele, Paulo ficou sabendo que isso o levou a arrepender-se e fazer mudanças. Sabendo disso, em sua segunda carta aos coríntios ele escreveu:

Essa censura da parte da maioria é suficiente para esse homem; agora, ao contrário, vocês devem perdoá-lo bondosamente e consolá-lo, para que ele não seja vencido pela excessiva tristeza. Eu os exorto, portanto, a reafirmar o seu amor por ele (2 Coríntios 2: 6-8).

Note que não foi a totalidade dos cristãos de Corinto que deixou de se associar com o pecador, mas apenas a “maioria” o fez. O que aconteceu com a minoria? Foi desassociada? Foi repreendida em razão de desobediência? Paulo não diz absolutamente nada sobre isso. A literatura das Testemunhas de Jeová nos últimos 40 anos procurou explicar quase que cem por cento dos versículos do Novo Testamento. De fato, o versículo intitulado 2 Coríntios 2:6, que contem a palavra “maioria”, foi citado nas revistas A Sentinela de 15 de julho de 2007, página 20; 15 de setembro de 1992, página 12; 15 de junho de 1978, página 21; 15 de janeiro de 1973, página 50, bem como nos livros “Certificai-vos de Todas as Coisas: Apegai-vos ao que é Excelente”, página 168, e Viva Tendo em Mente o Dia de Jeová, página 148. Porém nenhuma dessas matérias procurou explicar que fim teve a “minoria” de cristãos de Corinto que continuou conversando com o pecador “desassociado”. Nos dias atuais, embora haja Testemunhas que decidem desrespeitar a autoridade religiosa e continuam a conversar com desassociados, dificilmente se pode dizer que em todas as congregações há uma “minoria” que faz isso. Isto se dá porque todos os que o fazem são monitorados de perto, uma vez que conversar sobre assuntos espirituais com desassociados é considerado caso grave e sujeito à mesma punição sofrida pelo desassociado (para justificar isso, usa-se 2 João 9-11, que será considerado mais adiante). E mesmo que nada fale sobre assuntos espirituais, tal Testemunha muito provavelmente será tacitamente tachada de mau exemplo pelos anciãos, os quais poderão lhes negar quaisquer atividades ou função no templo, ou restringi-las a atividades mais humildes como fazer serviço de faxina em geral.

Considerando que Paulo nada falou sobre punição à “minoria”, depreende-se que o que ele escreveu não foi tomado como uma ordem, mas como um conselho que, se acatado, faria bem à congregação de Corinto – como de fato o fez, levando o pecador ao arrependimento. E isso está de acordo com o exemplo de Cristo considerado anteriormente. Das suas palavras registradas em Mateus 18: 15-17 e do exemplo deixado por ele, ficamos sabendo que a coisa certa é que cada um deve lidar com pecadores conforme seja sua relação pessoal com eles, não levando em conta a opinião de outros. Se o pecador da congregação de Corinto causou infelicidade a alguns ou a muitos da congregação, é de se supor que foram esses mais afetados os mais propensos a cortar a associação com ele. Cristãos que pouco sabia do caso, que o conheciam há pouco tempo, ou que não viam nenhum motivo pessoal para se afastar dele, esses podem ter continuado a se associar com ele, o que pode naturalmente ter vindo a ser a exceção à “maioria” mencionada por Paulo.

Diante disso, como ficam as palavras do Corpo Governante registradas abaixo?

No entanto, os esforços de Jesus para dar testemunho aos cobradores de impostos que ‘chegavam perto dele para o ouvir’ e ‘o seguiam’ não era modelo de como se devia tratar os pecadores impenitentes. (Mar. 2:15; Luc. 15:1) Como podemos ter certeza disso? Embora Cristo comesse com tais cobradores de impostos, o apóstolo Paulo ordenou que os cristãos não devem ‘nem sequer comer com’ tal pecador expulso da congregação. (1 Cor. 5:11) (A Sentinela de 15 de dezembro de 1981, já citada anteriormente).

Bem, por um lado a autoridade religiosa ensina que os “pecadores impenitentes” são como os “cobradores de impostos” e estrangeiros – no sentido de que merecem o mesmo desprezo de que estes eram alvos. Por outro, diz que o exemplo de Cristo em lidar com eles – pelo menos com os “que chegavam perto dele para o ouvir e o seguiam” – não é modelo de como se deve tratar “pecadores impenitentes”. Considerando isso, talvez seja oportuno raciocinar com base na seguinte situação: imagine que uma ex-Testemunha de Jeová (seja dissociada ou desassociada) convida uma Testemunha de Jeová para uma refeição (assim como o cobrador de impostos Mateus convidou a Cristo) ou que visita sua casa para ouvir alguns conselhos bíblicos. Diante dessa situação, que reação terá a Testemunha? Seguirá o exemplo de Cristo e aceitará o convite para uma refeição? Receberá em sua casa a ex-Testemunha que procura ouvir alguns conselhos, assim como Cristo aceitou pregar para os “cobradores de impostos” que o seguiam? Ou, antes, cederá ao medo de uma possível disciplina e lhe desferirá o mesmo desprezo de que eram vítimas os estrangeiros e “cobradores de impostos” dos dias de Cristo? Que essas perguntas fiquem para a reflexão de cada Testemunha de Jeová que vier a ler isso.

Mas as proibições impostas pelo Corpo Governante não se restringem a conversar. Cumprimentar também não pode, nem mesmo com um simples “oi!” – como mostrado a seguir.

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