“No décimo terceiro ano” do reinado de Josias, um jovem chamado Jeremias foi convocado para ser profeta para o povo de Judá. Era uma época de grave apostasia, em grande parte promovida pelos dois reis anteriores Manassés e Amom. Após a convocação de Jeremias, Josias ainda reinaria por 17 anos. Após a morte desse rei, seu filho Jeoacaz assumiu o trono, mas o faraó Neco logo o destronou e empossou no seu lugar Jeoiaquim, outro filho de Josias. Este último reinou por 11 anos. Foi sucedido por seu filho Joaquim, mas este enfrentou um sítio que Nabucodonosor fez a Jerusalém e teve que se render ao fim de três meses de reinado. Nabucodonosor por fim deu posse a Zedequias, outro filho de Josias. O reinado de Zedequias durou 11 anos e terminou com um segundo sítio e a consequente prisão dele pelas tropas de Nabucodonosor. Este evento marcou também a destruição de Jerusalém e o consequente exílio dos judeus ao cativeiro em Babilônia. Por todo esse tempo, desde o “décimo terceiro ano” de Josias, Jeremias transmitiu ao povo de Judá os avisos de Jeová (Jeremias 1:1-3). Dentre esses avisos estava o seguinte, que foi anunciado no 4º ano de Jeoiaquim:
“Portanto, assim diz Jeová dos exércitos: ‘“Visto que vocês não obedeceram às minhas palavras, estou convocando todos os povos do norte”, diz Jeová, “estou convocando o meu servo Nabucodonosor, rei de Babilônia, e vou trazê-los contra esta terra, contra os seus habitantes e contra todas as nações ao redor. Eu os entregarei à destruição e farei deles um motivo de terror, um alvo de assobios e uma ruína permanente. Porei fim ao som de exultação e ao som de alegria entre eles, à voz do noivo e à voz da noiva, ao som do moinho manual e à luz da lâmpada. E toda esta terra será reduzida a ruínas e se tornará um motivo de terror, e essas nações terão de servir ao rei de Babilônia por 70 anos.”’ (Jeremias 25:1, 2, 8-11).
O que aconteceria ao fim dos “70 anos”? Leiamos o versículo 12:
Mas, quando se completarem 70 anos, ajustarei contas com o rei de Babilônia e aquela nação por causa dos seus erros’, diz Jeová, ‘e farei da terra dos caldeus um deserto desolado para sempre.
A Torre de Vigia entende que os “70 anos” citados por Jeremias se referem a um período de “70 anos” de desolação da cidade de Jerusalém. Como ela põe a chegada dos judeus a Jerusalém em 537 AEC, então Jerusalém obrigatoriamente teria sido destruída por Nabucodonosor em 607 AEC. No entanto, como vimos em páginas precedentes, essa interpretação está em desacordo com os fatos. Assim, a que se referem de fato os “70 anos”?
A primeira citação é específica em dizer que, por um período de “70 anos”, tanto Judá como as nações vizinhas serviriam ao rei de Babilônia. Essa servidão não significava necessariamente em os povos dessas terras serem levados para Babilônia; nota-se isso do alerta divulgado anos depois, no início do reinado de Zedequias:
Se alguma nação ou reino se recusar a servir a Nabucodonosor, rei de Babilônia, e se recusar a pôr o pescoço debaixo do jugo do rei de Babilônia, eu punirei essa nação com a espada, a fome e a peste’, diz Jeová, ‘até que eu os tenha eliminado pelas mãos dele’. [...] Mas a nação que puser o pescoço debaixo do jugo do rei de Babilônia e o servir, eu a deixarei ficar na sua terra’, diz Jeová, ‘para cultivá-la e morar nela (Jeremias 27:1, 8, 11).
A conclusão que se tira dessas declarações é que os “70 anos” envolviam não necessariamente a remoção de qualquer dessas nações para Babilônia, mas apenas que essas nações deviam ‘servir ao rei de Babilônia, cada uma em sua própria terra. A remoção para Babilônia somente viria como consequência da recusa em se submeter a um jugo de servidão. Assim, caso os reis de Jerusalém tivessem se submetido ao jugo de Babilônia, a cidade de Jerusalém, como capital de Judá, teria ficado intacta, assim como se poupou cidades importantes de nações vizinhas.
O conceito de servidão, embora negado pela Torre de Vigia sempre que aborda a sua cronologia, foi reconhecido em outro contexto:
Isaías continua a profetizar: “Naquele dia terá de acontecer que Tiro terá de ser esquecida por setenta anos, igual aos dias de um só rei.” (Isaías 23:15a) Depois da destruição da cidade continental pelos babilônios, a cidade-ilha de Tiro seria “esquecida”. Fiel à profecia, pela duração de “um só rei” — o Império Babilônico — a cidade-ilha de Tiro não seria uma potência financeira importante. Jeová, por meio de Jeremias, incluiu Tiro entre as nações que beberiam do vinho de Seu furor. Ele disse: “Estas nações terão de servir ao rei de Babilônia por setenta anos.” (Jeremias 25:8-17, 22, 27) É verdade que a cidade-ilha de Tiro não ficou sujeita a Babilônia por 70 anos completos, visto que o Império Babilônico caiu em 539 AEC. Evidentemente, os 70 anos representavam o período do maior domínio de Babilônia — quando a dinastia babilônica se jactava de ter erguido seu trono até mesmo acima das “estrelas de Deus”. (Isaías 14:13) Diferentes nações viriam a estar sob esse domínio em diferentes épocas. Mas, no fim dos 70 anos, esse domínio desmoronaria (Profecia de Isaías, volume 1, página 253).
Conforme ficou claro nas páginas precedentes, Nabucodonosor ascendeu ao trono em 605 AEC, sendo 604/3 AEC o seu primeiro ano de reinado. Conforme a Torre de Vigia reconhece, até poucos anos antes de Nabucodonosor começar a reinar, a Assíria é que era a Potência Mundial da época. Na cronologia da Torre de Vigia, a queda da capital Nínive diante de Babilônia se deu em 632 AEC. Os historiadores, no entanto, põem esse evento 20 anos depois, em 612 AEC. Mas foi somente em 609 AEC que se extinguiu a última resistência assíria, que se havia refugiado em Harã.
“Fim da Assíria. –... depois da queda de Nínive em 612, da queda de Harã em 610 e da tentativa de reconquistá-la mais tarde em 609, a Assíria deixou de existir.” – Encyclopedia Britannica, Chicago, EUA, 1964, págs. 966, 967 (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, página 275).
“609. – Derrota definitiva do último rei assírio... A ruína do império assírio permitiu que os caldeus estendessem o seu domínio à Síria e à Palestina.” – As Grandes Datas da Antiguidade, Portugal, 1984, Publicações Europa- América, págs. 37, 38 (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, página 275).
Esses são os fatos históricos relacionados ao fim da Assíria e ao soerguimento do império babilônico. Como se relaciona isso com a profecia bíblica a respeito dos “70 anos”? Se nos lembrarmos de que Babilônia caiu diante dos persas em 539 AEC, verificamos assim um intervalo exato de “70 anos”. Agora leiamos novamente Jeremias 25: 12:
Mas, quando se completarem 70 anos, ajustarei contas com o rei de Babilônia e aquela nação por causa dos seus erros’, diz Jeová, ‘e farei da terra dos caldeus um deserto desolado para sempre.
Notemos que o ajuste de contas que Deus faria com Babilônia se daria no fim de “70 anos”. Esse ajuste de contas ocorreu em 539 AEC, portanto foi em 539 AEC que terminou o período de “70 anos” da profecia de Jeremias – não em 537 AEC como requer a Torre de Vigia.
Jeremias voltou a fazer referência aos “70 anos” numa carta dirigida aos judeus já cativos em Babilônia. Assim como em Jerusalém, também em Babilônia surgiram falsos profetas que anunciavam que se podia esperar para breve a libertação do jugo babilônico. Leiamos as palavras de Jeremias:
Pois assim diz Jeová dos exércitos, o Deus de Israel: “Não se deixem enganar pelos seus profetas e pelos seus adivinhos, que estão entre vocês, nem deem ouvidos aos sonhos que eles estão tendo. Pois ‘eles estão profetizando mentiras para vocês em meu nome. Eu não os enviei’, diz Jeová.”’” “Pois assim diz Jeová: ‘Quando se completarem 70 anos em Babilônia, voltarei a minha atenção para vocês e cumprirei a minha promessa, trazendo-os de volta para cá.’ ’ (Jeremias 29:8-10).
Essa citação é da Tradução do Novo Mundo, uma versão bíblica produzida pela própria Torre de Vigia. É interessante notar que, apesar de os fatos históricos reprovarem de forma cabal a estada dos judeus em Babilônia por exatos “70 anos”, é possível ler na Bíblia da Torre de Vigia a relação dos “70 anos” com os judeus “em Babilônia”.
Na maioria das Bíblias, porém, essa fraseologia é diferente (as últimas três citações da lista constam no livro de Jonsson, Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, página 249; elas, ao que me parece, foram selecionadas pelo tradutor):
(Nova Versão Internacional) Quando se completarem os setenta anos da Babilônia.
(Sociedade Bíblica Britânica) Logo que forem cumpridos para Babilônia setenta.
(Versão Católica) Quando setenta anos tiverem decorrido para Babilônia.
Tradução Ecumênica (1995): “Quando se completarem para Babilônia setenta anos...”
A Bíblia de Jerusalém (2000): “Quando se completarem, para a Babilônia, setenta anos...”
Almeida Revista e Atualizada no Brasil (1960): “Logo que se cumprirem para a Babilônia setenta anos,...”
Essas citações é que estão de acordo com os fatos, pois relacionam os “setenta anos” com a supremacia de Babilônia. Que os “70 anos” não se relacionam com a permanência dos judeus em Babilônia, vê-se também nessa citação de Jeremias. Notemos que Jeová diz que voltaria a sua atenção para o seu povo quando terminassem os 70 anos para (ou da) Babilônia, não que traria seu povo para Jerusalém a fim de dar por terminado os “70 anos” (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, página 263).
Na sua tentativa de provar que os judeus passaram de fato “70 anos” em Babilônia, a Torre de Vigia recorre a outras duas referências aos “70 anos”. Uma dessas referências foi feita pelo profeta Daniel ainda no primeiro ano de Dario.
No primeiro ano de Dario, que era filho de Assuero, descendente dos medos, e que tinha sido feito rei sobre o reino dos caldeus, sim, no primeiro ano do seu reinado, eu, Daniel, compreendi pelos livros o número de anos para se cumprir a desolação de Jerusalém, conforme mencionado na palavra de Jeová dirigida ao profeta Jeremias; seriam 70 anos. (Daniel 9:2).
Daniel evidentemente se referia ao livro de Jeremias ou pelo menos à carta que ele enviou aos judeus em Babilônia. Mas é preciso notar que não é possível depreender do texto que os judeus deveriam permanecer em Babilônia por exatos “70 anos”. Em adição a isso, fica a questão sobre o que levou Daniel a dizer que compreendera, pelos livros, “o número de anos” mencionado por Jeremias. Não parece restar alternativa senão a queda de Babilônia. Como até então os judeus permaneciam em Babilônia, e não é possível saber se Daniel já tinha conhecimento da ordem de Ciro para que os judeus retornassem a Jerusalém, parece óbvio que foi a queda de Babilônia que levou Daniel a compreender que os “70 anos” preditos por Jeremias haviam terminados (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, páginas 254, 255).
Uma segunda referência aos “70 anos” pode ser lida no segundo livro das Crônicas. Esse livro foi escrito por Esdras algum tempo depois do retorno dos judeus a Jerusalém. Na conclusão do seu livro, Esdras escreveu o seguinte:
Ele levou cativos para Babilônia os que escaparam da espada, e eles se tornaram servos dele e dos seus filhos até que o reino da Pérsia começou a dominar. Isso aconteceu para que se cumprisse a palavra de Jeová falada por Jeremias, até que a terra tivesse saldado os seus sábados. Durante todo o tempo em que ficou desolada, ela guardou o sábado, até cumprir 70 anos (2 Crônicas 36:20,21).
A confusão nesse nessa citação é a inserção do “sábado” como um período a se cumprir por “70 anos” (versículo 21). Mas essa ideia é alheia à profecia de Jeremias; assim, não é possível concluir que Esdras estava dizendo que os judeus passaram “70 anos” em Babilônia para cumprir um período sabático.
A respeito da questão do sábado, Carl Olof Jonsson chama a atenção para o livro de Levítico; segundo ele, o livro de Levítico é a fonte de Esdras no que diz respeito à sua referência ao sábado.
“‘E naquele tempo saldará a terra os seus sábados, todos os dias em que jazer desolada, enquanto estiverdes na terra dos vossos inimigos. Naquele tempo a terra guardará o sábado, visto que tem de saldar os seus sábados. Guardará o sábado todos os dias em que jazer desolada, visto que não guardou o sábado nos vossos sábados quando moráveis nela. — Levítico 26:34-35, TNM. (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, página 261).
Como é possível perceber, o exílio seria um período de tempo em que a terra de Israel estaria em descanso (guardando o sábado). Nem Moisés nem Jeremias relacionam a guarda de um período sabático com “70 anos”. Um menciona um caso e o outro menciona outro caso; por ambos estarem relacionados, é que Esdras os cita juntos, de fato em um único versículo; mas não é possível depreender disso que ele estava dizendo que os judeus passaram exatamente “70 anos” no exílio.
A Torre de Vigia também tem feito esforços para relacionar duas outras expressões de “70 anos” com os “70 anos” de Jeremias. Essas expressões se encontram no livro bíblico de Zacarias, capítulos 1 e 7. Segundo a própria Torre de Vigia, o livro de Zacarias foi escrito em 518 AEC. Zacarias fora designado profeta com o fim de encorajar os judeus a dar seguimento à construção do Templo. Eles chegaram havia cerca de 20 anos, mas, em razão de oposição, até então não haviam terminada a reconstrução do Templo. Como isso era algo que eles muito almejavam, parecia não lhes restar opção senão jejuar e orar, numa espécie de lamentação contínua do evidente fracasso deles na obra de reconstrução. É nesse contexto que são mencionadas as expressões “setenta anos”. Leiamos:
Em vista disso, o anjo de Jeová disse: “Ó Jeová dos exércitos, até quando negarás tua misericórdia a Jerusalém e às cidades de Judá, com as quais ficaste indignado por esses setenta anos?” (Zacarias 1:2)
O povo de Betel enviou Sarezer e Regem-Meleque com seus homens, para suplicar o favor de Jeová dizendo aos sacerdotes da casa de Jeová dos exércitos e aos profetas: “Devo chorar no quinto mês e jejuar, como tenho feito por tantos anos?” Recebi novamente a palavra de Jeová dos exércitos: ”Diga a todo o povo desta terra e aos sacerdotes: ‘Quando vocês jejuavam e lamentavam no quinto e no sétimo mês, durante 70 anos, era realmente para mim que jejuavam”? (Zacarias 7:2-5).
É possível compreender de imediato que os “70 anos” são dados como um período de tempo que se estende até a escrita do livro – em 518 AEC. No primeiro caso, o anjo de Jeová lamenta que “por esses setenta anos” 10 os judeus foram privados da “misericórdia” de Jeová. No segundo caso, um grupo de judeus liderados por Sarezer e Regem-Meleque é enviado a Jerusalém para lamentar, por abstinência, com o fim de “abrandar a face de Jeová”. Isso resulta em Jeová lembrar a eles que têm feito “isto por 70 anos”. Portanto, indubitavelmente, o caso é de “70 anos” que terminam por ocasião da escrita do livro, não que terminaram cerca de 20 anos antes. Sabemos que a destruição de Jerusalém, em 587 AEC, foi antecedida por um sítio que começou dois anos antes, no “nono” ano do reinado de 11 anos de Zedequias (2 Reis 25:1). Isso por si só já era motivo para os israelitas iniciarem os seus jejuns e orações; e, ao que parece, a consequente destruição de Jerusalém, o cativeiro em Babilônia e o fracassado empreendimento de construção do templo – tudo isso os levou a estabelecer os rituais de jejuns e orações, tanto quanto por “70 anos” (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, páginas 264-269).
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