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“Religião” ou “associação cultural”?

Que a Torre de Vigia parece ter uma obsessão por propriedade, ficou evidente em um caso envolvendo as Testemunhas de Jeová do México.

Devido ao histórico acúmulo de bens e propriedades praticado pelas religiões daquele país, o governo decidiu, no início do século passado, requerer a posse de todas as propriedades das religiões; relativo à propriedade para uso de cultos, a norma era a mesma, mas o governo reservou para si a prerrogativa de determinar quais propriedades poderiam continuar sendo usufruídas pelas religiões (Isso ficou assentado em lei, conforme consta no artigo 27 da Constituição mexicana de 1917).

Independente do que fariam outras religiões, A Torre de Vigia tomou providências de modo a não se submeter às restrições da nova lei. Em 1943, no que ficou registrado como sendo uma ardilosa manobra jurídica, as Testemunhas de Jeová tiveram seu status alterado de “religião” para “associação cultural” – com direito a documento carimbado pelo governo. Em resultado disso, a Torre de Vigia pôde continuar usufruindo “legalmente” de suas propriedades até 1992, quando uma emenda à lei tornou legalmente possível que religiões pudessem ter propriedades. Em confirmação desse assunto, veja o que diz um número da revista Despertai! de 1994:

Em conformidade com essa nova lei, as Testemunhas de Jeová no México solicitaram à Diretoria Geral de Assuntos Religiosos, em 13 de abril de 1993, que fossem registradas como religião. Anteriormente, as Testemunhas de Jeová, como qualquer outra religião no país, existiam de fato, mas não tinham personalidade jurídica. As Testemunhas de Jeová existiam no país desde princípios do século 20. Embora elas não gozassem de reconhecimento legal, em 2 de junho de 1930, o governo do México autorizou a existência da Associação Internacional dos Estudantes da Bíblia. Em 20 de dezembro de 1932, esse nome foi mudado para La Torre del Vigía. Mas, em 1943, devido a leis que limitavam as atividades religiosas no país, uma nova entidade foi registrada como associação civil. Dessa maneira Jeová abençoou a obra que as Testemunhas de Jeová vinham realizando ao longo dos anos. Atualmente, de acordo com um documento datado de 7 de maio de 1993, que lhes foi enviado em 31 de maio de 1993, as Testemunhas de Jeová estão registradas como La Torre del Vigía, A. R., e como Los Testigos de Jehová en México, A. R., ambas as quais associações religiosas (Despertai! de 22 de julho de 1994, páginas 13, 14).

No entanto, em resultado da manobra jurídica da Torre de Vigia, que vigorou por mais de quatro décadas, as Testemunhas mexicanas foram obrigadas a viver uma farsa, já que não mais podiam dar sinais de que formavam uma religião. E no que constituía essa farsa? Uma pessoa praticante do cristianismo geralmente é identificada por portar uma Bíblia, fazer orações, praticar o batismo ou ser batizada, cantar em locais de cultos, etc. As Testemunhas de Jeová tiveram que renunciar a muito disso ou pelo menos atribuir-lhes nomes diferentes, de modo a enganar as autoridades mexicanas.

Enquanto isso, as demais religiões que se sujeitaram às proibições governamentais, praticavam tranquilamente o seu cristianismo, com todas as suas características, e com todas as garantias legais, conforme trecho citado abaixo, que é da Constituição mexicana de 1917:

ART. 24. - Todo homem é livre de professar a crença religiosa que mais lhe agradar e de praticar as cerimônias, devoções ou atos do culto respectivo, nos templos ou em seu domicílio particular, sempre que não constituam delito ou falta puníveis pela Lei.

O mesmo número da revista Despertai!, fazendo referência à nova lei, trás um indicativo de qual foi o real motivo do registro feito em 1943; leiamos:

A nova lei 
A nova lei, conforme declarado no seu primeiro artigo, está “fundada no princípio histórico da separação do Estado e das igrejas, assim como na liberdade de crenças religiosas . . .” O segundo artigo garante ao indivíduo liberdade de “ter ou adotar a crença religiosa que mais lhe agrade e praticar, individual ou coletivamente, os atos de culto ou ritos de sua preferência . . ., não professar crenças religiosas . . ., não ser objeto de discriminação, coerção ou hostilidade por causa de suas crenças religiosas . . ., associar-se ou reunir-se pacificamente com fins religiosos.” Nos termos dessa lei, “as igrejas e os grupos religiosos terão personalidade jurídica como instituições religiosas uma vez que obtenham seu correspondente registro constitutivo na Secretaria do Governo”. Além disso, “as associações religiosas constituídas conforme a presente lei poderão ter um patrimônio próprio que lhes permita cumprir com seu objetivo” (Despertai! de 22 de julho de 1994, página 13).

Com a mudança na lei, em 1992, que passou a permitir que instituições religiosas pudessem ter posse de propriedades, a Torre de Vigia voltou novamente a alterar seu status, agora de “associação cultural” para “religião”.

Mas antes disso, em 1989, uma reforma à Constituição mexicana permitiu a que as Testemunhas de Jeová pudessem desde já apresentar-se como religião, conforme pode ser visto na declaração que fizeram conforme cito abaixo:

O destaque de 1989 foi a mudança na situação legal das Testemunhas de Jeová no México. Isto resultou em se poder, pela primeira vez, usar a Bíblia na obra de pregação de casa em casa, e iniciar as reuniões com oração. O efeito foi imediato. O número de publicadores aumentou mais de 17.000 em dois meses. 

No que tange a essa mudança, nota-se a alegria dos irmãos em seus comentários. Um irmão escreveu: “Quando a carta foi lida na congregação, aplausos espontâneos interromperam a leitura duas vezes. Foi emocionante!” Outro disse: “Não podíamos conter as lágrimas de alegria. Os resultados se manifestam em maior pontualidade. Todos querem estar presentes para a oração inicial.”

“Em nosso território”, disse outra Testemunha de Jeová, “uma senhora, participante ativa no programa de estudo bíblico da igreja católica, comentou: ‘Se antes, só com argumentos e revistas, [as Testemunhas] nos deixavam sem palavras, agora que estão usando a Bíblia nas portas, estamos perdidos!’ (A Sentinela de 1º de janeiro de 1990, página 7).

As Testemunhas de Jeová do mundo inteiro, porém, nunca foram informadas de que essas provisões (uso da Bíblia, oração, cântico, etc) sempre estiveram à disposição das Testemunhas mexicanas, que elas foram privadas disso, não por decisão do governo, mas porque a Torre de Vigia usou de um artifício legal para assegurar a posse de propriedades naquele país.

Para mais informações sobre esse assunto, veja o livro Crise de Consciência, de Raymond Franz, páginas 167-170, bem como o artigo As Testemunhas de Jeová no México.



A foto acima, que de uma propriedade da Torre de Vigia no México, consta no livro “Proclamadores do Reino”, de 1993; assim, considero muito improvável que ela tenha sido construída apenas nos meses finais de 1992 e início de 1993. O mais provável é que pelo menos o início da obra tenha se dado bem antes, enquanto ainda era legalmente proibido por lei federal (fonte da imagem: Proclamadores do Reino, página 363).


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