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Impostos: pagar ou não pagar?

Relativo aos impostos, a Torre de Vigia também encenou um capítulo bem desabonador, principalmente em se tratando de uma instituição religiosa que costuma pregar a honestidade em todas as coisas (veja a introdução a este capítulo).

Muitos devem saber que uma característica básica das Testemunhas de Jeová, quando fazem o seu trabalho de evangelização, é o oferecimento de alguma literatura, geralmente as revistas A Sentinela e Despertai!. Essa literatura obviamente tem todo um custo de produção e, nos dias atuais, é sabido que as Testemunhas não especificam um preço por elas. Mas isso nem sempre foi assim. Desde o começo, a literatura bíblica da Torre de Vigia tinha uma taxa estabelecida, ainda que esta fosse de um valor acessível, em parte em razão da isenção de impostos concedida pelos governos.

Porém, no início da década de 90, nos Estados Unidos, a Suprema Corte desse país assentou-se para julgar uma ação do estado da Califórnia, que queria taxar a literatura do pastor televangelista Jimmy Swaggart. A decisão da Corte teria seu efeito estendido a todas as religiões e isso, obviamente, não era do interesse de nenhuma delas.

Considerando a possibilidade de a Corte tomar uma decisão favorável ao estado da Califórnia, a Sociedade Torre de Vigia se aliou com outras instituições religiosas, num flagrante gesto de ecumenismo, algo que tanto condena, e juntas entraram com uma ação amicus curiae neste processo, solicitando ao tribunal que declarasse o imposto inconstitucional.


A expressão amicus curiae significa “amigo da corte”, intervenção assistencial em processos de controle de constitucionalidade por parte de entidades que tenham representatividade adequada para se manifestar nos autos sobre questão de direito pertinente à controvérsia constitucional. Não são partes dos processos; atuam apenas como interessados na causa


Mas para a infelicidade das religiões interessadas, em 17 de janeiro de 1991, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu pela constitucionalidade do imposto.

Em resultado dessa decisão, e repetindo um gesto parecido com o caso México, antes considerado, a Torre de Vigia, logo no mês seguinte, teria enviado uma carta a todas as congregações dos Estados Unidos, por meio da qual declarava que sua literatura não mais tinha uma taxa fixa, podendo ser distribuída gratuitamente, mas que, a depender da vontade das pessoas, qualquer donativo podia ser aceito.

A carta obviamente não fazia nenhuma referência à decisão da corte; antes, justificava a decisão com dois pontos básicos: (1) diferenciar-se das demais religiões, que lucravam com a prática do evangelho, e (2) permitir o acesso ao evangelho às pessoas mais carentes, que talvez não pudesse pagar nem mesmo uma pequena taxa.

Em confirmação desse assunto, note como a Torre de Vigia se explica no livro Proclamadores do Reino:

Em 1990, devido a escândalos financeiros amplamente noticiados que envolviam certas religiões da cristandade, além da crescente tendência dos governos de classificar a atividade religiosa como empreendimento comercial [portanto, sujeito à cobrança de impostos], as Testemunhas de Jeová fizeram alguns ajustes em sua atividade para evitar equívocos. O Corpo Governante orientou que todas as publicações distribuídas pelas Testemunhas de Jeová nos Estados Unidos — Bíblias, tratados, folhetos, revistas e livros que explicam a Bíblia — sejam fornecidas ao público com a única condição de que as leiam, sem que se sugira uma contribuição. A atividade das Testemunhas de Jeová de modo algum é comercial, e esse arranjo serviu para diferençá-las ainda mais de grupos religiosos que comercializam a religião. Naturalmente, a maioria das pessoas sabe que custa dinheiro imprimir essas publicações, e aquelas que apreciam o serviço realizado pelas Testemunhas talvez desejem fazer um donativo para ajudar a obra. Explica-se a essas pessoas que a obra mundial de instrução bíblica dirigida pelas Testemunhas de Jeová é custeada por donativos voluntários. Os donativos são aceitos de bom grado, mas não são solicitados (Proclamadores do Reino, páginas 349, 350).

Novamente, nesse livro de circulação mundial, a Torre de Vigia evitou dizer qual foi o verdadeiro motivo das alterações admitidas, preferindo antes dizer algo que lhe caía bem à imagem – muito louvável caso fosse o fato motivador e não apenas um efeito colateral.

Sobre essas justificativas da Torre de Vigia, Raymond Franz fez os seguintes questionamentos:

Se o fator motivador foi deveras tornar mais acessível ao povo a mensagem contida na literatura da Torre de Vigia, por que foi limitada a “norma da literatura grátis”, na ocasião, aos Estados Unidos, Canadá, Alemanha e Itália, países de economia notavelmente forte? Por que não foi mundialmente? Ou, se era aconselhável a adoção gradual, por que não começar por alguns dos países mais pobres do mundo? Por que não foi primeiro implementada nos países do chamado “Terceiro Mundo”, onde a pobreza é tão extensa? Se a nova prática era mostrar que estão separados “daqueles que comercializam a religião”, por que prosseguiram com a antiga prática em todos estes países por vários anos? (Em Busca da Liberdade Cristã, páginas 699, 700)

Sem contar que toda essa ardilosa manobra foi para evitar o pagamento de impostos – uma coisa que ela, em sua literatura, vive a gabar-se de que, em comparação com outros religiosos, as Testemunhas de Jeová são um povo exemplar no cumprimento desse dever. A veracidade dessa afirmação ainda não pôde ser provada, mas provado está que, no que diz respeito a ela própria, a Torre de Vigia prefere ter o dinheiro fora do alcance do governo. É certo que, caso aceitasse a imposição do governo americano, a sua receita poderia diminuir, ou talvez fosse obrigada a aumentar a taxa cobrada pela literatura. Independente de quais dessas opções escolhesse, ela não estaria nada mais do que seguindo o exemplo de Jesus Cristo, que, mesmo estando moralmente isento de pagar impostos, teve o cuidado de não fugir à cobrança porque, segundo suas próprias palavras, “para que não os façamos tropeçar” (Mateus 17: 24-27). Também não posso deixar de lembrar aqui o posicionamento da Torre de Vigia no que diz respeito a submeter-se às exigências de homens e às exigências de Deus; segundo a argumentação dela, sempre que essas exigências estiverem em conflito, a declaração de Atos 5: 29 deve ser seguido à risca, ainda que o custo disso seja a liberdade ou própria a vida:

Temos de obedecer a Deus como governante em vez de a homens (Atos 5:29).

Em não se configurando o conflito de exigências, vale a declaração de Romanos, capítulo 13, que é como segue:

Todos estejam sujeitos às autoridades superiores, pois não há autoridade sem a permissão de Deus; as autoridades existentes foram colocadas por Deus em suas posições relativas. Portanto, quem toma posição contra a autoridade toma posição contra a ordem estabelecida por Deus; os que tomam posição contra ela trarão condenação sobre si mesmos. [...] É por isso também que vocês pagam impostos; porque eles estão a serviço de Deus e prestam esse serviço constantemente. Deem a todos o que lhes é devido: a quem exigir imposto, o imposto; a quem exigir tributo, o tributo; a quem exigir temor, tal temor; a quem exigir honra, tal honra (Romanos 13:1,2,6,7).

Se a atitude da Torre de Vigia servir como exemplo, cada Testemunha de Jeová pode-se sentir livre para usar de todo tipo de artifício para poder escapar a todo tipo de exigência governamental. E imagina se esse exemplo fosse seguido por todas as pessoas do mundo inteiro!

Esse arranjo de literatura grátis começou a vigorar no Brasil somente no ano 2000, quase dez anos depois. Em confirmação disso, em janeiro de 2000, o informe mensal, de circulação interna, conhecido como Nosso Ministério do Reino, trouxe o seguinte artigo, o qual faz incisivos alertas sobre como e quando oferecer a literatura, considerando que essa só deveria ser oferecida quando fosse clara a possibilidade de a pessoa dar algum dinheiro por ela. Se não, vejamos:

Nosso sistema simplificado de distribuição de publicações

1. O sistema simplificado de distribuir publicações sem pedir uma contribuição específica por elas começou a vigorar este mês. Será bem-sucedido esse método? Confiamos que literalmente milhões de pessoas sinceras continuarão recebendo a oportunidade de ‘vir tomar de graça a água da vida’. (Rev. 22:17) Além disso, ficarão ainda mais destacadas a natureza espiritual de nossa organização teocrática e a diferença nítida entre nossas atividades e as de Babilônia, a Grande [por “Babilônia, a Grande”, entenda-se as demais religiões].

2 Contudo, não estamos obrigados a distribuir publicações indiscriminadamente a qualquer pessoa que as aceite nem é nosso desejo fazê-lo. Assim como usamos sabiamente os nossos próprios bens materiais, cada publicador tem a responsabilidade de usar sabiamente as publicações que recebe da Sociedade sem custo por meio da congregação local. Certamente, o fato de a Sociedade colocar suas publicações à disposição dos publicadores sem cobrar por elas não significa que nenhuma despesa está envolvida na sua produção e distribuição. Todos devem apreciar de modo especial o valor das nossas publicações em ajudar pessoas sinceras na busca de conhecimento exato a respeito de Jeová Deus e de seu Filho, Jesus Cristo. — João 17:3.

[...]

6 Ao abordarmos as pessoas com o propósito de dar testemunho, devemos estar preparados para conversar com elas sobre um assunto bíblico. Raciocínios à Base das Escrituras sugere ampla variedade de introduções interessantes, junto com muitos assuntos bíblicos apropriados. Ou podemos usar as apresentações sugeridas em Nosso Ministério do Reino. Dependendo da reação da pessoa à mensagem do Reino, o publicador tem de decidir como proceder no que diz respeito a oferecer publicações. Se parece não haver suficiente interesse que justifique oferecer um livro ou outra publicação, você pode decidir concluir a conversa com tato e ir para a próxima casa. Ou talvez prefira deixar um convite ou um tratado se a pessoa prometer ler a mensagem. Certifique-se de tomar nota do interesse para que se possa fazer uma revisita. Pode-se fazer o mesmo quando talvez não haja tempo suficiente para entabular uma conversação significativa com uma pessoa por ela estar ocupada ou porque a visitamos num momento inoportuno.

7 O sistema simplificado de distribuição de publicações ajuda todos a ver que a nossa obra educativa bíblica não é de forma alguma comercial. Ajuda-nos também a manter em primeiro plano o nosso objetivo de pregar as boas novas do Reino e fazer discípulos de Jesus Cristo. Em nítido contraste com organizações que se empenham em “solicitações caritativas”, as Testemunhas de Jeová de bom grado cuidam de que as publicações sejam postas à disposição de todos sem cobrar. Donativos em prol da obra mundial nunca são solicitados daqueles que não estão genuinamente interessados em nossa mensagem. (Veja A Sentinela de 1.° de dezembro de 1990, páginas 22 e 23.) Cem por cento de todos os donativos é usado para manter essa obra educativa bíblica, mundial, visto que todos os colaboradores são voluntários e não se pagam salários nem comissões a ninguém na organização. O assunto de donativos para ajudar na obra mundial só é considerado com aqueles que mostram interesse em nossa obra.

Para mim, que participei durante muito tempo nesse trabalho de pregação, era um exercício muito complicado decidir se apresentava ou não a literatura da Torre de Vigia, uma vez que, dependendo da reação da pessoa, ficava difícil abordar o assunto de donativos. Em resultado disso, já presenciei situações cômicas, como o caso de certa irmã que oferecera as revistas à pessoa e esta simplesmente agradeceu por elas; em outro caso, a Testemunha, depois de pôr as revistas nas mãos da pessoa, ficou no aguardo de esta perguntar quanto custava. Como a pessoa não perguntou, a Testemunha viu-se obrigada a dizer: “Imagino que o senhor deve estar-se perguntando quanto custa...”, ao que a pessoa acrescentou: “Não, eu não estou me perguntando nada.”.

Como a citação anterior deixa claro, são as próprias Testemunhas de Jeová que contribui com a maior parte desses donativos. E pelo novo método, isso até virou-lhes quase que uma imposição. Assim, se alguém fica com um livro e doa um valor irrisório, a Testemunha, por educação, pode aceitar sem queixa, mas ela se sentirá forçada a complementar com seu próprio dinheiro. De fato, alguns anciãos são enfáticos ao dizer que “a obrigação de sustentar a obra é nossa, não das pessoas do mundo”.

Com toda essa imposição sobre as Testemunhas de Jeová, é doloroso ler sobre a literatura “grátis” oferecida pela Torre de Vigia – sem contar que a maioria talvez continue ignorante sobre o porquê do novo método (sobre as consequências dessa decisão, veja o capítulo 8).

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Veja aqui uma carta enviada por mim ao escritório da Torre de Vigia no Brasil, na qual concedo a ela a oportunidade de se explicar sobre as acusações aqui apresentadas.

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