É bem conhecido da comunidade em geral que as Testemunhas de Jeová não se envolvem na política, seja candidatando-se a cargos eletivos, seja fazendo campanha para candidatos. A quem pergunta se elas votam, a resposta é sim; mas quanto se vai votar em quem, a essa pergunta a Testemunha responderá que o voto é secreto e que, portanto, ela não precisa responder. Mas por que será que as Testemunhas de Jeová recorrem a esse argumento para não responder à pergunta – algo tão banal para outras pessoas?
A resposta talvez seja porque o que elas fazem na cabine de votação não seja algo de fácil aceitação popular. E por que digo isso? Voltemos no tempo, há pouco mais de 20 anos, há alguns meses antes de eu me tornar Testemunha de Jeová. Como era época de campanha eleitoral, perguntei à Testemunha que me passava lições bíblicas em quem ela iria votar. A resposta foi como dito acima: o voto é secreto. Mas insisti: “Tudo bem, o voto é secreto; mas não há uma discussão em família sobre em quem votar?” A resposta foi negativa, que cada um vai para a seção eleitoral e lá vota – em secreto. Confesso que a essa engoli em seco. Meses depois, quando já havia decidido ser Testemunha de Jeová, fui apresentado ao segundo livro. Durante a consideração desse segundo livro, a Testemunha de Jeová muito insistiu em saber em que eu iria votar. Diante da minha insistência em responder que o voto é secreto, ele assim se certificou que podia me dizer algo mais, isto é, que a Testemunha de Jeová deve anular o voto.
Como assim?! – foi a minha reação. Minha primeira preocupação foi sobre o que eu diria a meus parentes, a meus amigos, à minha comunidade. Somente depois de me recobrar do susto foi que lembrei que sempre ia poder recorrer ao argumento do voto secreto.
Essa é uma informação que não consta por escrito em nenhuma literatura produzida pelo Gorpo Governante; essas se restringem a dizer que a Testemunha de Jeová se mantém neutra nas questões políticas, adiantando que o que cada uma faz na cabine de votação não é da conta de ninguém. Pode ser que o Corpo Governante não seja responsável por pregar, de forma expressa, o voto nulo, mas, pelo que sei, não tem feito nada para impedir que essa ideia circule entre as Testemunhas, à boca miúda, tal qual fosse um segredo mui grave.
Procurando induzir as Testemunhas a determinada conclusão, mas de tal maneira a isentar-se de responsabilidade, o Corpo Governante, no ano de 1999, escreveu o seguinte:
"Com base nesses princípios bíblicos [veja alguns deles no capítulo 5 deste livro, parte A], as Testemunhas de Jeová em diversos países decidem, por si só, não votar em eleições políticas, e sua liberdade para tomar essa decisão é apoiada pelas leis do país. Mas, e se a lei exige que os cidadãos votem? Nesse caso, cada Testemunha de Jeová é responsável por tomar uma decisão conscienciosa, baseada na Bíblia, para lidar com essa situação. Se a pessoa decidir comparecer às urnas, essa é uma questão pessoal. O que ela faz na cabine de votação é entre ela e seu Criador. A revista A Sentinela de 1.° de setembro de 1951, página 131, disse: ‘No caso em que César obriga os cidadãos a votar, as Testemunhas de Jeová podem ir aos centros eleitorais e entrar nas cabines de votação. É ali que devem preencher a cédula ou indicar sua posição. Os eleitores fazem o que querem com as cédulas. De modo que ali na presença de Deus é que suas testemunhas precisam atuar em harmonia com os mandamentos divinos e de acordo com sua fé. Não é nossa a responsabilidade de instruir-lhes o que devem fazer com a cédula.’" (A Sentinela de 1º de novembro de 1999, página 29).
Apesar de seu líder espiritual expressar-se assim, com frases enigmáticas, cada Testemunha de Jeová sabe que se vier a manifestar publicamente a sua opção partidária, seja por dizer em quem votou, seja por apoiar certo candidato, ela será irremediavelmente chamada a dar explicações. É Isso que lemos em um livro secreto da religião, o qual é de leitura exclusiva dos anciãos (veja imagens abaixo).
Prestai Atenção a Vós Mesmos e a Todo o Rebanho, edição de 1991,
páginas 140,141.
No último parágrafo, é visível o ar de esperteza da autoridade religiosa.
Ao que parece, considerando a possibilidade de que a Testemunha possa querer
mover uma ação judicial contra a religião, considerando que o direito
político é algo assegurado pela Constituição brasileira, toma-se o cuidado
de não produzir provas documentais. O anúncio à congregação, algo geralmente
feito através do microfone, neste caso pode até ser dispensado – o que
eliminaria possíveis testemunhas. Com isso, considerando que violar a
neutralidade política é algo tão grave, por que a autoridade religiosa não é
bem específica a respeito dessa questão, considerando todo o assunto,
inclusive as consequências de sua violação –
tudo bem antes de a pessoa se decidir tornar Testemunha de Jeová?
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