Como disse anteriormente, as Testemunhas de Jeová são talvez o grupo religioso que mais procura qualificar os seus prospectivos membros para o exercício da fé. Mas como cada um pode checar, as questões complexas aqui apresentadas são abordadas de modo superficial ou sequer são tratadas nos seus livros de estudos para iniciantes. O resultado disso é que, posteriormente, muitas Testemunhas começam a ver indícios de que não lhe contaram toda a verdade. Iniciam então uma investigação, começam a fazer perguntas, expressam suas dúvidas. Como então reage a organização Torre de Vigia ante essa suspeita?
Primeiro, vejamos que incentivo a organização usa para convencer pessoas de outras religiões a checarem se o que elas acreditam é realmente ensinamento bíblico (o itálico é dos autores):
Mas é surpreendente o que se escreveu em 1981, em um artigo dirigido àqueles que decidiram ser Testemunhas, muito provavelmente apenas depois do estudo superficial oferecido pela religião. Leiamos:
O autor deste artigo certamente não desconhecia o texto de 1 João 4:1, que exorta cristãos batizados a checar a autenticidade de toda declaração que se diz inspirada (como meio de prevenir-se contra falsos profetas), mas, pelo visto, considerou-o inapropriado à argumentação pretendida. Que esse texto é apropriado, vê-se que, conforme consta na revista A Sentinela de 2001, que foi citada anteriormente, ele é usado para convencer membros de outras religiões a reexaminar suas crenças. Nesta citação, o texto de Atos 17:11 é considerado como argumentação inválida, uma vez que refere-se a “recém-interessados”. Curiosamente, o autor de 1981 não pensava assim, visto que o considerou aplicável a membros efetivos de outras religiões. O que se conclui de tudo isso é que, sem nenhum pudor, os autores procuram usar a Bíblia para dizer o que desejam dizer, independente do que ela realmente diz. Indica-lhe isso tratar-se de legítimos pastores? É esse o tipo de caráter que Cristo esperaria de quem se dispusesse a cuidar de Suas ovelhas?
O artigo continua:
Note com quanto desprezo a autoridade religiosa trata as Testemunhas que desejam reexaminar as suas crenças (na citação abaixo, o itálico é dos autores).
Sinceramente, considero um absurdo dizer isso a respeito dos bereanos; mas é assim que a organização religiosa quer que ajam as Testemunhas; quer que elas acreditem, não necessariamente porque conseguiram comprovar que é verdade, mas apenas porque dedicar-se a investigações é mostra de falta de fé, que é quem age assim sempre vai achar um defeito, seja ele qual for. Agora imagine se todos os membros de todas as religiões adotassem esse modo de pensar; isso obviamente inviabilizaria o próprio ministério das Testemunhas, que consiste basicamente em convencer membros de outras religiões a reexaminar suas crenças.
O artigo continua:
Sim, isso é verdade; mas também não lemos nada ao contrário, que eles acreditavam em qualquer carta que recebessem, apenas porque tinham a assinatura de um discípulo de Jesus ou porque lhes foi entregue por alguém que se dizia enviado de um discípulo; caso assim fosse, e visto que já por aquela época havia os falsos pastores, que também procuravam propagar suas ideias, como os cristãos podiam aceitar apenas as verdades genuinamente cristãs, se não lhes fosse recomendável examinar de modo crítico todas as cartas que lhes chegavam às mãos? O conselho do apóstolo João foi emitido no já fim do primeiro século, mas, à base dele, podemos concluir que isso era a prática, isto é, que eles examinavam cabalmente essas cartas.
Referente ao “escravo fiel e discreto”, o mesmo artigo diz o seguinte:
Essa última argumentação parece fazer todo sentido. Ocorre que o reconhecimento do “escravo”, ou Corpo Governante, como sendo o “instrumento que Deus usa” é um dos assuntos apresentados mui superficialmente aos “recém-interessados”, conforme foi visto anteriormente. Portanto, se esse ponto estiver entre os motivos de dúvidas, inviabiliza-se o argumento da citação acima. E conforme será examinado no capítulo seguinte, a respeito desse assunto há muito mais envolvido; não se trata de algo que se possa abordar de forma convincente em apenas meia dúzia de páginas, como faz a autoridade religiosa.
Portanto, como se viu, contrariamente aos conselhos que se dar a membros de outras religiões, a Testemunha de Jeová batizada é fortemente desestimulada a reexaminar a sua crença. A autoridade religiosa, no entanto, admite a possibilidade de alguma Testemunha passar a ter dúvidas quanto ao que acredita, ou quanto a uma nova interpretação bíblica por parte do Corpo Governante. A esses, que ação requer a autoridade religiosa? Vejamos:
O absurdo desse argumento vê-se quando se analisa a possibilidade de cada membro de cada denominação cristã resolver tomá-lo a peito, aceitando como bíblico qualquer conceito que se lhe apresente a liderança de sua religião. É assim que devem pensar as Testemunhas de Jeová. Pelo menos foi assim que pensei por 20 anos. Logicamente, se esse raciocínio é absurdo quando aplicado por membros de outras religiões, por que não é igualmente absurdo para a vasta maioria das Testemunhas de Jeová? Não o é porque foram levadas a concluir – por meio de um superficial estudo bíblico – que encontraram a religião verdadeira, que agora estão sendo dirigidas pelos representantes legítimos de Cristo, e que, portanto, depois de se batizarem, Jeová e Cristo não mais se agrada de quem, de repente, passa a duvidar daquilo que antes acreditaram com tanta satisfação. Esse último conceito está em total desacordo com a declaração do apóstolo João, já antes comentada:
O conselho de João foi dirigido a cristãos, mas atualmente as Testemunhas de Jeová só podem aplicá-lo com uma condição: que ao final, depois de porem à prova a mensagem bíblica de sua liderança religiosa, tenha como única conclusão que essa mensagem é absolutamente verdadeira, autêntica, inquestionável. Quer dizer se, depois desse exame, não puderem concordar a com a explicação fornecida pelo Corpo Governante?
Observe que as únicas fontes de consulta admitidas, além da Bíblia, são a própria literatura da religião e seus líderes religiosos locais. Depois disso, em persistindo as dúvidas, a Testemunha é solicitada a se calar, uma vez que falar a outros sobre suas dúvidas significa semear discórdia. Consultar livros de outras religiões ou preparados por dissidentes é algo abertamente descartado (veja o capítulo 6 deste livro).
E se a Testemunha, depois de pesquisas, acabar por concluir que não pode concordar com determinado ensino? Lembre-se: essa discordância pode ter a ver com o fato de que durante a sua época de estudo não lhe foi devidamente esclarecido determinado assunto, como, por exemplo, a questão do sangue, o direito de interpretar a Bíblia, ou até mesmo o sentido bíblico de “escravo fiel e discreto”. Referente a essas pessoas, o Corpo Governante, no ano de 1980, enviou uma carta a todos os supervisores regionais (superintendentes de circuitos, para as Testemunhas). Servindo-se das informações contidas em um artigo da revista A Sentinela, a carta foi muito explícita ao dizer como se deve lidar com Testemunha que tenha passado a não mais crer em algum ensino defendido pela autoridade religiosa. Leiamos (o sublinhado é de Raymond Franz; os colchetes são do tradutor):
Portanto, a desassociação pode ser a penalidade por se deixar de crer, não no que realmente diz a Bíblia, mas nos “ensinamentos de Jeová conforme apresentados pelo escravo fiel e discreto”. Contrário ao que faz com relação a outros assuntos, o Corpo Governante não nos deixa em dúvida sobre o que pode acontecer a uma Testemunha que não mais crer em determinados assunto imposto por ele. Em nome da união pregada por Cristo e por seus discípulos, o Corpo Governante foi ao extremo de requerer a uniformidade de crenças em sua interpretação da Bíblia. Diferentemente da carta citada acima, que é secreta, a citação abaixo está disponível a toda Testemunhas de Jeová:
Não há como negar que a Bíblia incentiva a que os cristãos mantenham a união, e isso envolve crer nos mesmos ensinos básicos do cristianismo. Mas todo o Novo Testamento deixa claro que havia divergência entre os cristãos a respeito de muitos outros assuntos; quanto a isso, as cartas de Paulo estão repletas de advertências, não de que se deveria promover a uniformidade de crenças, se necessário, por meio da excomunhão, mas de que essas questões deveriam ser tratadas como questões que envolvia a consciência de cada um, não sendo, portanto, objeto a ser levado à esfera judicativa.
Mas não é assim que pensa o Corpo Governante, como toda Testemunha de Jeová pode confirmar para si mesma. Em razão disso, depois que uma Testemunha descobre que foi enganada, a reação normal esperada é que ela peça desligamento da religião. Mas quem construiu toda a sua vida nesse meio religioso, quem ali possui família, quem tem lá seu pai ou mãe, quem tem seus filhos ou filhas – todos eles ainda crente que estão na verdade, que somente terão esperança de salvação se ali permanecer – isso pode ser tudo que se perderá com uma renúncia à religião. É verdade que, conforme indica a norma religiosa, a comunicação só será cortada por completo para membros da família que não moram na mesma casa, mas não é só isso que está envolvido, a comunicação não é tudo; uma família unida envolve mais que comunicação; também está envolvido sentimentos fraternos, confiança, a certeza de que terão o apoio um do outro em momentos difíceis, e quando dá-se a dissociação, quando um membro renuncia à religião, corta-se esse laços, a família fica abalada, os membros ainda ativos muitas vezes não sabem se ainda podem contar com quem sai, e, em razão desse receio, talvez nem os procurem em momentos difíceis. Depois de considerar tudo isso, uma Testemunha, seja pai ou mãe, seja filho ou filha, muitas vezes pensa muito mais que em si, pensa no bem estar da família, pensa que, em momentos de dificuldades, como em casos de doença ou em questões financeiras, pode ajudar melhor a sua família caso permaneça como membro da religião – e isso independe de se moram na mesma casa ou não.
A atitude do Corpo Governante visa apenas punir o membro “rebelde”, mas deixa de considerar que a ação resulta numa punição para ambas as partes. Também considera que, quando um filho punido deseja permanecer convivendo com a família, ou a ela retorna, talvez seja apenas para continuar desfrutando da boa vida que os pais oferecem. Nessas condições, como visto anteriormente, sob o tema Desassociação, o pai, caso aceite o filho em casa, é avaliado quanto a se continua qualificado para usufruir de cargos na instituição religiosa. Mas, curiosamente, a norma religiosa também considera que o filho pode voltar para casa por motivos válidos, dentre eles, cuidar do genitor que esteja doente, ou talvez já bastante incapacitado pela idade. Isso mais uma vez pode implicar numa situação muito constrangedora para os pais, principalmente se estes foram fiéis à norma religiosa, mantendo os filhos longe de casa enquanto não careciam de cuidados especiais. Os filhos, caso se enquadrem nessa situação, podem não levar isso em conta, talvez atribuam essa atitude ao alto grau de controle que a religião exerce sobre os pais. Isso mas uma vez salienta quanto malefício pode causar a norma de pleno ostracismo adotada pela Torre de Vigia.
Essa é a razão de muitas Testemunhas de Jeová permanecerem como tal; elas vão aos dias de cultos, algumas ainda desempenham tarefas internas e participam no serviço de visita aos lares, mas a tendência é que, com o tempo, entrem na inatividade, algo que a religião permite, e sem que isso resulte em penalidade. Para algumas, isso é psicologicamente desgastante; viver uma farsa sabe-se lá por quanto tempo, talvez décadas, certamente nunca lhes passou pela cabeça. Sabem, no entanto, que isso é resultado de que um dia, em algum ponto do passado, uma ou duas pessoas bateram à porta e, portando-se como mensageiros de Deus, venderam-lhe boas palavras, as quais fizeram bem à alma cansada, mas que, com o tempo, revelaram-se frias, vazias e mentirosas.
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