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A geração que não passará

Abordando o tema “geração” por 12 páginas, a revista A Sentinela de 1º de novembro de 1995 surpreendeu a muitos – inclusive a mim – ao dizer que, contrário ao que por décadas se afirmou, a palavra “geração” nada tinha a ver com a duração média da vida de uma pessoa. Leiamos: 




O povo de Jeová, ansioso de ver o fim deste sistema iníquo, às vezes tem especulado sobre quando irromperia a “grande tribulação”, até mesmo relacionando isso com cálculos sobre a duração da vida duma geração desde 1914. No entanto, ‘introduzimos um coração de sabedoria’, não por especular sobre quantos anos ou dias constituem uma geração, mas por refletir em como ‘contamos os nossos dias’ em dar alegre louvor a Jeová. (Salmo 90:12) Em vez de estabelecer uma regra para a medição do tempo, o termo “geração”, conforme usado por Jesus, refere-se principalmente a pessoas contemporâneas dum certo período histórico, com as características identificadoras delas (página 17).

Portanto, hoje, no cumprimento final da profecia de Jesus, “esta geração” parece referir-se aos povos da terra que vêem o sinal da presença de Cristo, mas que não se corrigem (página 19)

Como de costume, O Corpo Governante não dá nenhuma demonstração de que se considera responsável pelas declarações enganosas que fez durante décadas; prefere dizer, como se pode ler acima, que “o povo de Jeová” – não exclusivamente ele – é culpado de especulação. Então, com essa linha de raciocínio, a autoridade religiosa isenta a si mesma de ter que pedir perdão por ter incorrido em falsa profecia. Presume, naturalmente, uma vez que não se considera culpada, que Deus não lhe chamará às contas por tais e quais palavras. Curiosamente, foi a respeito de raciocínio desse tipo que Jeová falou francamente a Ezequiel: 

Viste, ó filho do homem, o que os idosos da casa de Israel estão fazendo na escuridão, cada um nos quartos internos da sua peça de exibição? Pois estão dizendo: Jeová não nos vê. Jeová deixou o país – Ezequiel 8: 12.

O entendimento reajustado parece indicar que a Torre de Vigia está a abandonar sua especulação a respeito de quão próximo deve estar o fim do mundo. Afinal de contas, uma geração nos moldes da nova definição pode estender-se por décadas, talvez por séculos. Temendo que esse conceito viesse a desestimular o rebanho, o Corpo Governante julgou apropriado dar um lembrete: 

Será que nosso ponto de vista mais preciso sobre “esta geração” significa que o Armagedom está ainda mais longe do que pensávamos? De forma alguma! Embora nunca soubéssemos ‘o dia e a hora’, Jeová Deus sempre os soube, e ele não muda (Malaquias 3:6) (revista supracitada, página 19.

O fato principal resultante desse ajuste doutrinal é que o Corpo Governante se livra do desconforto de ter atrelado a 1914 a duração média de uma vida – ao final da qual deveria vir o fim. Estando prestes a ser desmascarados pelo tique-taque do tempo, os homens de Brooklyn agiram repentinamente de modo a salvar as aparências. Milhões de pessoas foram literalmente enganadas por muitas décadas, mas, como se viu, nenhum enganador se apresentou. Se, como se alega, as palavras sobre 1975 ficaram restritas a probabilidades, as palavras sobre quanto duraria uma geração foram colocadas no nível da certeza absoluta. Diante disso, como fica a moral de quem as pronunciou? O Corpo Governante, que reivindica para si o status de ser o porta-voz de Deus na terra, não explica como isso se ajuste ao fato de terem dito tamanha inverdade – a menos que, nessa questão específica, falasse apenas por si. Como não podemos ter a Deus por mentiroso, os fatos nos obrigam a ter por verdade esta última suposição. Se isso se aplica às palavras sobre o sentido de “geração”, que garantia temos de que não se aplica igualmente a outras tantas afirmações a respeitos de outras doutrinas? O fato de que muitas delas têm sido revisadas, algumas até várias vezes, apenas corrobora a tese anterior. Seja lá como for, o carrossel profético sobre o qual cavalgou o Corpo Governante é atualmente apenas motivo de vergonha apara a autoridade religiosa. Essa conclusão obteve-se em 2006 quando a Torre de Vigia, visando recapitular o entendimento bíblico progressivo, decidiu saltar, à moda de quem salta uma cobra, qualquer referência à palavra “geração”. A seguir, atente para a ordem cronológica dos assuntos: 

Nos anos seguintes, a vereda dos justos continuava a clarear. Em 1985, foi lançada luz sobre o que significa ser declarado justo “para a vida” e declarado justo como amigo de Deus. (Romanos 5:18; Tiago 2:23) O significado do Jubileu cristão foi explicado cabalmente em 1987. Em 1995 veio um entendimento mais claro sobre a separação entre “ovelhas” e “cabritos”. Em 1998, houve uma explicação detalhada sobre a visão que Ezequiel teve do templo, visão esta que já está se cumprindo. Em 1999 esclareceu-se quando e como ‘a coisa repugnante que causa desolação estaria em pé num lugar santo’. (Mateus 24:15, 16; 25:32) E, em 2002, obteve-se mais discernimento sobre o que significa adorar a Deus “com espírito e verdade”. — João 4:24 (A Sentinela de 15 de fevereiro de 2006, página 30).

O ano de 1995 até é citado, mas Brooklyn não achou um jeito de relembrar o assunto, não sem admitir que durante décadas fez falsas afirmações sobre um assunto tão delicado. É verdade que a revista A Sentinela de 1º de maio de 1999, página 8, remete ao artigo de 1995 por meio de uma nota de rodapé, mas faz isso num contexto em que menciona “entendimento progressivo” e que, portanto, deixa ao leitor a única opção de conformar-se, a menos que não queira enquadrar-se no “entendimento progressivo” da Torre de Vigia (esse entendimento progressivo é muitas vezes justificado com Provérbios 4: 18, que é analisado no capítulo 7). 

O significado de “entendimento progressivo” é facilmente assimilado pela mente humana acostumada a pesquisas. Por exemplo, nos primeiros anos de escola se aprende que na antiguidade se pensava que a Terra era o centro do Universo, tendo o Sol, a Lua e as estrelas girando em torno dela. Com o passar dos séculos, especialmente em meados do segundo milênio, astrônomos puderam comprovar, à base de cálculos e de rústicos telescópicos, que o Universo tinha como centro o Sol, não a Terra. Desde então o conhecimento dos astrônomos tem aumentado progressivamente e agora se sabe que o Universo é muito mais extenso, sendo o Sol apenas uma estrela como tantas outras. Quando a Torre de Vigia recorre à expressão “entendimento progressivo”, é a isso que ela remente a mente do leitor. Mas será que as suas reformas doutrinárias no assunto em exame realmente se enquadram na expressão “entendimento progressivo”?  Vejamos. 

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