No ano de 2008, voltando a revolver em torno da palavra “geração”, o Corpo Governante fez cair por terra a sua tese de “entendimento progressivo”. De acordo com o conceito reajustado, o sentido que passou a se dar à palavra “geração” era o mesmo que se tinha em 1927. Naquele ano afirmou-se com convicção que os ungidos é que compunham a “geração” mencionada por Jesus. Em 2008, qual raciocínio apresentava então o Corpo Governante para voltar ao entendimento de 1927? Leiamos (os colchetes são da Torre de Vigia):
A revista não faz nenhuma menção ao fato de que se trata de uma versão recuperada. A razão pode ser que tenha achado desnecessário; uma vez que foi encerrada a reimpressão de revistas antigas, poucas Testemunhas poderiam checar a informação. Por outro lado, se eu fosse responsável pela versão de 1927 e pelas diversificadas versões posteriores, teria muita vergonha de dizer que, por décadas, fiz todo um rebanho andar em círculo. A Torre de Vigia, caso fizesse referência ao conceito de 1927, teria ainda de explicar como isso se ajusta às suas reinvindicações de ser orientada pelo espírito santo de Deus.
Os vai-e-voltas doutrinários da Torre de Vigia são perfeitamente compreensíveis se encararmos a religião Testemunha de Jeová como sendo uma religião comum. Qualquer organização humana, dirigida por homens imperfeitos, inevitavelmente revelará traços de imperfeição. No entanto, caso tenhamos de aceitar o conceito de Brooklyn de que se trata de uma religião escolhida por Deus e dirigida por Seu espírito, então deveríamos esperar da religião um comportamento compatível com tal reivindicação. Não é que isso produzisse uma religião perfeita. Os primitivos cristãos, todos imperfeitos, não deixaram de deixar traços de imperfeição nas relações entre si. As cartas de Paulo os revelam agonizando na imperfeição, mas essas mesmas cartas, juntamente com outros escritos cristãos, são o produto do espírito santo; sabemos disso não só porque elas assim o declaram, mas também porque o conteúdo delas exige que seja assim. A Torre de Vigia, ao requerer que a aceitemos como guiada por Deus, costuma apresentar o “entendimento progressivo” como uma prova de orientação divina. Mas em se tratando do caso em questão, a prova apresentada só parece convincente porque se omitiu um detalhe fundamental. Considerando que o conceito atual seja o correto, como se explica o fato de que ele foi rejeitado na década de 1940? Quando alguns dos primitivos cristãos passaram a ter um conceito apóstata sobre a ressurreição, Paulo os condenou e, ao que parece, eles foram expulsos da congregação cristã (1 Timóteo 1:18-20; 2 Timóteo 2: 16-18). Caso Deus, mediante Seu espírito santo, tenha de fato revelado à Torre de Vigia, em 1927, qual era o conceito correto sobre a palavra “geração”, que atitude divina esperaríamos ver quando, na década de 40, a entidade religiosa veio a rejeitar esse esclarecimento em prol de um conceito apóstata?
Pode ser, no entanto, que a Torre de Vigia, sendo uma organização religiosa como tantas outras, não seja mais pecadora do que outras o são. Pode ser que seus erros, muitos dos quais ela própria admite, por si só não a coloque numa condição apóstata. Pode ser que seu conceito atual sobre a palavra “geração” seja tão equivocado como o foi em 1927. Considerando tudo isso, resta o fato de que ela tem se erguido a uma posição que inevitavelmente a coloca diretamente responsável perante Deus pelas afirmações de estar a representa-Lo na terra. Assim como um representante comercial é responsável por vender, não apenas produtos ou serviços, mas também a imagem da empresa, o cristão verdadeiro, pelo que diz e faz, é responsável pela imagem que outros formarão sobre quem de fato é Jeová. A Torre de Vigia vez após vez tem martelado esse alerta em sua literatura. Uma vez que considera as Testemunhas responsáveis perante Deus pelo modo como vivem, deveria igualmente reconhecer-se responsável perante Deus por qualquer que seja seu comportamento.
A justiça divina requererá que seja assim.
O conceito reajustado sobre a palavra “geração” teve pouca repercussão entre as Testemunhas de Jeová. Diferentemente do conceito rejeitado em 1995, o conceito rejeitado em 2008 não era assunto de conversa entre elas; creio até que grande parte delas nem o tenha assimilado corretamente. O conceito de 2008 parece que, tanto quanto o anterior, não despertou interesse. Recorrendo à memória, não me lembro de uma única vez em que ele chegou a ser tratado em minhas palestras com Testemunhas. Desde que em 1995 se rejeitou uma boa estimativa de quão próximo estava o fim do mundo, os apelos de urgência com relação ao tempo do fim ficaram restritos a lembretes de quão avançados estávamos depois de 1914 e quão claro estavam os “sinais” indicadores apresentados por Jesus. Em 2010, no entanto, o Corpo Governante voltou a fazer outra boa estimativa de quão próximo estamos do fim. Depois de relembrar o conceito reajustado de 2008, a revista A Sentinela passa a nos empurrar goela abaixo um conceito adicional sobre “geração”:
Considere que o tema do artigo é: “O papel do espírito santo no cumprimento do propósito de Jeová”. Não sei se foi intensão do Corpo Governante fazer o ajuste do modo mais discreto possível, mas julgo que uma grande parte das Testemunhas não o notou e, agora, penso até que a maioria o desconheça. Desconsiderando essa questão, uma nova data para o fim do mundo foi marcada. Ele virá antes que morra os últimos ungidos que foram contemporâneos por algum tempo dos ungidos que viviam em 1914. Qualquer explicação sobre como se chegou a essa conclusão foi omitida; ela também nunca foi dada até os dias de hoje. Por que o comprimento de uma geração tem que ser de exatamente duas gerações sucessivas? Por que não pode ser de três ou mais? Os dados que constam do capítulo 5 de Gênesis nos informam que Adão foi contemporâneo de Lameque, que foi neto de Enoque, portanto, o nono homem na linhagem de Adão (Judas 14). Alguém pode sugerir que, em tempos bíblicos posteriores, as pessoas não viviam tanto quanto antes do Dilúvio. Isso é um fato. Mas ainda assim não devia ser rara a convivência entre avós e netos e até entre bisavós e bisnetos. E atualmente, com a expectativa de vida aumentando em diversas partes do mundo, está se tornando comum a convivência entre três ou mais gerações. Caso tenhamos de abrir mão do conceito de que uma “geração” corresponde apenas à duração média de uma vida, precisamos de alguma regra bíblica que dê suporte ao conceito de que representa exatamente duas gerações que sejam contemporâneas por pelo menos alguns anos. A Torre de Vigia, em sua defesa, pode afirmar que, no caso específico, a palavra “geração” nada tem a ver com uma “geração” de pessoas do tipo pai e filho e nem do tipo que seja de apenas contemporaneidade. Então, em consequência, ela fica impossibilitada de defender o conceito de que, no caso dos ungidos, é necessário que uma “geração” corresponda a duas gerações de ungidos que seja contemporâneos por pelo menos alguns anos. Mas, considerando que a entidade religiosa habituou-se a falar qualquer coisa sem ser questionada, não é surpresa que tenha optado por agir dessa forma, uma vez que, no caso em questão, uma explicação confusa podia ser pior que explicação alguma (Provérbios 17: 28).
Considerando como verdade o ajuste adicional, quão próximo devemos estar do fim do mundo?
Podemos, por suposição, decidir que a primeira geração de ungidos tenha começado em 1910 – presumindo, naturalmente, que a unção tenha sido imediatamente após batismo. Chamemos esta geração de G1. Considerando que G1 foi batizada aos 20 anos de idade e que viveu até os 70 anos, naturalmente faleceu em 1960. G2, com expectativa de vida de 80 anos, foi batizada em 1955, à idade de 15 anos. Consideremos que a unção tenha sido subsequente ao batismo, de modo a estabelecer alguns anos de contemporaneidade com G1. Com expectativa de vida de 80 anos, G2 deverá falecer em 2020 – e o fim deverá vir antes dessa data (veja representação visual abaixo).
É difícil imaginar quanta razoabilidade há nessas suposições, mas as palavras da Torre de Vigia nos obrigam a isso. Naturalmente podemos ir aos extremos e refazer nossos cálculos: podemos, por exemplo, nos aproximarmos bem mais de 1914 com o ano de início da primeira geração de ungidos, podemos reduzir para menos de cinco anos a intersecção da vida dos dois grupos na condição de ungidos e podemos também alongar um pouco mais a expectativa de vida de ambas as gerações. Oportunamente pode-se aqui lembrar o caso de Frederich W. Franz. Ele nasceu em 12 de setembro de 1893 e foi batizado em 5 de abril de 1914, cinco meses antes de completar 21 anos e seis meses antes do tão esperado outono; tendo falecido em 22 de dezembro de 1992, ele deixou milhares de companheiros ungidos que lhe foram contemporâneos. Se pudermos decidir que alguém de pouca idade, que se tornou ungido há apenas alguns anos antes de sua morte, possa fazer parte do segundo grupo, então alongamos bastante a “geração” – embora isso fique em desacordo com uma declaração recente da Torre de Vigia de que o segundo grupo já é bastante idoso (A Sentinela de 15 de janeiro de 2014, página 31).
Raymond Franz conta que certa vez, por volta de fevereiro de 1980, quando o Corpo Governante se debatia para resolver a questão da “geração”, certos membros influentes do Corpo sugeriram que, em vez de 1914, o ponto de partida para a “geração” devia ser 1957, o ano em que a então União Soviética havia lançado seu primeiro Sputnik ao espaço. Entendiam esses que isso estava relacionado com a declaração de Jesus sobre “o sol escurecerá, a lua não dará a sua luz, as estrelas cairão do céu, e os poderes dos céus serão abalados” (Mateus 24:29). A proposta, naturalmente, foi rejeitada pelos demais membros; e Franz afirma que “os comentários apresentados indicavam que muitos a consideraram fantasiosa” (Crise de Consciência, páginas 273 a 276). Uma avaliação equilibrada sobre as novas explicações que a Torre de Vigia dá para a palavra “geração” não nos permite usar termos tão diferentes de “fantasiosa”. Considerando alguns fatores tais como a total ausência de argumentação para justificá-la, a proibição bíblica de ir além das coisas escritas e a declaração de Cristo de que pessoas comuns entenderiam as verdades bíblicas, então a palavra certa é mesmo “fantasiosa” (1 Coríntios 4:6; Mateus 11:25).
Um observador não Testemunha, após uma leitura rápida das novas declarações da Torre de Vigia sobre a palavra “geração”, poderia facilmente concluir que essa organização religiosa subiu no tamborete e pôs, ela própria, a corda no pescoço. Quem conhece o histórico dessa religião, no entanto, se recordará que ela sabiamente reservou para si a prerrogativa de, em caso de fracassarem suas previsões proféticas, simplesmente descer do tamborete de dar novo sentido às declarações bíblicas – independente do que estas realmente signifiquem.
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