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Filhos de Testemunhas

É considerado normal que os filhos adotem a religião de seus pais. E de fato, para os pais Testemunhas de Jeová, isso é muito importante por duas razões especiais. Primeiro, se um pai Testemunha não conseguir fazer que seus filhos sigam a religião, ele pode não ser considerado qualificado para assumir cargo de pastor nas congregações. Segundo, como as Testemunhas são levadas a acreditar que somente elas serão salvas, é muito doloroso para os pais saberem que um filho deles pode, em breve, ser destruído por Deus no que chamam de Armagedom, bem como também podem se sentir culpados por acreditarem que, de alguma forma, falharam na educação dos filhos.

Com o objetivo de induzir os filhos de Testemunhas a também progredirem até o batismo, a liderança sempre incentivou a que os pais doutrinassem a seus filhos desde a tenra idade, tendo como base Provérbios 22:6.

E de fato, ao longo de sua história, muitos filhos de Testemunhas de Jeová foram conduzidos ao batismo ainda na condição de criança, como mostra as imagens abaixo.

A primeira foto consta no The Messenger de agosto de 1939, uma antiga publicação das Testemunhas de Jeová. A legenda chama a Jonadab de “jovem”, mas é possível ver pelas suas feições que ele aparenta ter entre sete e oito anos de idade.



O Corpo Governante pelas últimas décadas tem escrito muitos artigos afirmando que as Testemunhas de Jeová, diferentemente de outras igrejas, não batizam bebês, em razão de não estarem em condições de decidir se realmente querem ser Testemunha de Jeová. Mas levando em conta a complexidade dos assuntos abordados neste livro, é difícil entender como um pré-adolescente esteja em melhores condições de tomar uma decisão racional.

Mas o caso de Jonadab não é único. Dois anos depois, em 1941, em outro evento que reuniu milhares de Testemunhas de Jeová, 3903 pessoas foram conduzidas ao batismo; dentre essas, 1357 eram “crianças”, como retratadas abaixo:



As fotos constam no Souvenir Report de 1941, página 60, uma antiga publicação das Testemunhas. Note que a foto da esquerda retrata uma criança tão pequena que é preciso segurá-la no colo para o ato de imersão; e, conforme indica a legenda para a foto de número 3, o batismo de criança era feito de forma aberta, sem nenhum questionamento quanto a se de fato elas entendiam o significado da decisão que estavam tomando. O Anuário de 1976 fez referência àquele evento e também falou sem constrangimento sobre o batismo de “1357 crianças”.

O domingo, 10 de agosto de 1941, foi o “Dia das Crianças” no congresso de São Luís. Bem cedo naquela manhã um discurso de batismo foi proferido e 3.903 pessoas foram imersas, entre elas 1.357 crianças (Anuário das Testemunhas de Jeová de 1976, página 192).

Mas em 2001, quando o Corpo Governante voltou a citar os batizados de 1941, a palavra “crianças” foi substituída por “jovens”.

Em agosto de 1941, uma assistência de 115.000 reuniu-se em Saint Louis, Missouri, EUA, no maior congresso das Testemunhas de Jeová realizado até então [...] Naquela assembléia memorável, 1.300 jovens foram batizados em símbolo da sua dedicação a Jeová (A Sentinela de 15 de julho de 2001, página 8).

Apesar de ultimamente a liderança religiosa estar procurando ser mais discreta quanto a algo que era tratado abertamente em décadas anteriores, por todo o mundo continua a haver batismos de pré-adolescentes, dado que fotos circulam amplamente pela internet.

Todos esses batismos de crianças, em parte, foram em resultados de uma intensa doutrinação dos pais com referência ao batismo dos filhos. Em outros casos, especialmente de adolescentes, com mais de 10 anos de idade, o batismo também pode ter-se dado em resultado da pressão feita por outras Testemunhas, e inclusive sobre forte orientação do Corpo Governante. Mesmo sabendo que esses adolescentes podem depois descobrir que não querem ser Testemunhas, a liderança religiosa tem escrito artigos que incentivam o batismo tão cedo quanto possível. Por exemplo, a revista A Sentinela de 15 de junho de 2011, páginas 3 a 6, discorreu sobre a seguinte pergunta: “Será que os jovens devem ser batizados?”. Depois de deixar claro que não existe idade mínima para o batismo, a revista cita o caso de uma Testemunha de 36 anos que se batizou quando tinha 12 – e nunca se arrependeu.

Sobre a possibilidade de que esses adolescentes, depois de se batizarem, venham de alguma forma deixar de ser Testemunha, incorrendo assim em terem que sofrer o ostracismo que a liderança determina, a revista começa por expor o que seria a preocupação de um genitor:

Eu temo que, se meu filho for batizado, mais tarde ele possa cometer um pecado grave e ser desassociado.

Como resposta, citam Paulo e dizem que cada um de nós prestará contas de si mesmo a Deus – quer batizado, quer não (Romanos 14: 12). Neste caso, raciocinam os autores, não faz diferença batizar-se adolescente ou adulto, e que, portanto, por que adiar o batismo? O raciocínio parece lógico, mas a preocupação desse genitor também poderia incluir a possibilidade de que o adolescente, já depois de batizado, talvez já na condição de adulto e dispondo de muito mais informações sobre a religião, viesse a decidir que não mais concordava com as crenças das Testemunhas de Jeová e, em razão disso, dissociar-se da religião – o que, para todos os efeitos, sofreria as mesmas penalidades impostas a quem é desassociado. Neste caso, tanto para pais e filhos, seria humanamente preferível que o adolescente ficasse sem se batizar até a idade adulta, até que estivesse em plenas condições de decidir se de fato quer pertencer à religião. Mas quem elabora a pergunta são os autores do artigo e, pelo visto, optaram por não enfrentar o constrangimento de ter que justificar essa segunda possibilidade. Também os autores procuram contestar um segundo possível argumento que um pai pode usar para adiar o batismo do filho. Segundo os autores, os pais podem desejar que seu filho ou filha fizesse primeiro uma faculdade.




Como resposta, recorrem às palavras de Jesus Cristo, quando ele disse que interesses financeiros tendem a sufocar os interesses espirituais do cristão (Mateus 13: 22).

Em tudo isso, vê-se claramente o forte desejo de que o adolescente seja batizado o quanto antes, mesmo que quando adulto, ele acaba por deixar de ser Testemunha de Jeová. Não há, pelo visto, nenhum interesse em deixar que o adolescente tome sua decisão somente quando estiver bem ciente sobre o que é realmente importante em sua vida, mesmo que seja ingressar na religião de seus pais. O argumento frequentemente citado de que Testemunhas que se batizaram adolescentes, ou mesmo quando crianças, nunca se arrependeram, é usado para dizer que ser Testemunha de Jeová é a melhor decisão que uma criança ou adolescente pode tomar a vida. A Torre de Vigia, no entanto, embora reconheça que muitos deixam de ser Testemunhas de Jeová, nunca pôs em sua literatura uma única razão alegada por estes, preferindo ela pôr em suas bocas as razões que ela quer passar para as Testemunhas, como dizer que estes saíram porque desejaram viver uma vida de prazeres, sem nenhum compromisso com Deus, procurando assim a liberdade temporária neste mundo prestes a ser destruído no Armagedom.

A realidade, no entanto, é que muitos filhos de Testemunhas, que se batizaram na condição de criança ou adolescentes, acabam por constatar, na fase adulta, que foram induzidos a um grande erro. Infelizmente, já batizados, ficam na difícil condição de ter que escolher dissociar-se e perder para sempre a associação com os pais, submetendo-os a um sofrimento emocionalmente desgastante, ou conformar-se em viver uma farsa por muitos anos ou décadas. O Corpo Governante obviamente sabe disso, mas prefere que as crianças e adolescentes sejam rapidamente batizadas, ao que parece, como forma de colocar-lhes um cabresto. Isso fica evidente quando citam as palavras de uma mãe, cujo filho foi batizado aos 15 anos:

Uma mãe cristã escreveu: “Filhos batizados têm mais razões para evitar as coisas ruins do mundo. Meu filho, batizado aos15 anos, encara o batismo como proteção. Ele diz: ‘A gente nem pensa em fazer algo contra a lei de Jeová’. O batismo é uma forte motivação para fazer o que é certo.” (revista supracitada, página 6).

Se o Corpo Governante não concordasse com esse conceito, jamais o teria publicado. Mas o que protege um filho contra desviar-se dos padrões de Deus é o que de fato ele tem no coração, não um atestado público de que é Testemunha de Jeová. Nesse caso, se o filho decidir no coração que não quer mais ser Testemunha de Jeová, independente das razões, o único motivo para ele permanecer na religião é o ostracismo imposto a quem se afasta; considerando que as Testemunhas de Jeová seja a única religião aprovada por Deus, e que a excomunhão seja exatamente como praticada pela religião, fica-se a querer saber como Deus idealizou tudo isso e de tal maneira que segurasse entre seus servos aprovados mesmo aqueles que não mais Lhe deseja servir.

O Corpo Governante, porém, continuará investindo na doutrinação dos filhos de Testemunhas de Jeová, mas agora também até mesmo usando o mais poderoso recurso que lhe está à disposição: a animação de desenhos. Como esse recurso pode ser facilmente absorvido por crianças que ainda nem aprenderam a ler, fica evidente que elas estão mais vulneráveis à doutrinação – e o Corpo Governante sabe disso. Depois de ter escrito muitos artigos alertando aos pais que seus filhos, quando deixado livres diante da TV, podem adotar muito dos conceitos e atitudes passados por animações, pareceu-lhe apenas inteligente usar essa predisposição das crianças a seu favor. A declaração de Provérbios 22: 6 nunca lhe fez tanto sentido:

Eduque a criança no caminho em que ela deve andar; mesmo quando ela envelhecer, não se desviará dele

Examinemos apenas duas animações. Neste episódio, por exemplo, Pedrinho é convencido de que não deve esconder seus erros, que os deve confessar aos pais, mesmo que sejam insignificantes. Pode não haver nada de errado nisso, mas futuramente um filho de Testemunha de Jeová será convencido de que, caso queira ter o perdão de Deus, não basta confessar seus erros aos pais; ele também precisa confessá-los aos anciãos.



Neste outro episódio, Sofia tem uma moeda e deseja comprar um sorvete. Ela então ver a mãe colocando dinheiro na caixa de donativos para a religião. Sofia é assim induzida a concluir que, entre comprar um sorvete e doar a sua moeda para a religião, a coisa certa é a segunda alternativa. Chegou a ser constrangedor para muitas Testemunhas quando essa animação começou a circular; apesar de que não lhes era novidade essa conscientização dirigida aos filhos menores, o uso de uma animação com esse conteúdo pareceu-lhes extrapolar os limites do bom senso.



Ainda que esse investimento em animação de desenhos resulte em filhos de Testemunhas se batizarem ainda com menos idade, ainda é cedo para saber se uma doutrinação em uma fase tão jovem terá uma maior taxa de sucesso em segurar os jovens na organização. De qualquer maneira, espera-se para breve a primeira geração Pedrinho e as amiguinhas de Sofia – e as primeiras desilusões resultantes de tamanha exploração infanto-juvenil.

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