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O caso Austrália

Este capítulo já estava em fase de conclusão quando, na última semana de julho de 2015, alguns dos principais jornais internacionais trouxeram à baila o nome Torre de Vigia. Segundo as fontes, na Austrália, por cerca de 60 anos, essa organização religiosa deixou de notificar às autoridades mais de 1000 casos de abuso de menores. Acompanhe pelas imagens alguns dos portais que divulgaram a notícia:



BBC





Todo esse escândalo veio à tona depois que o governo australiano montou uma comissão exclusiva para investigar organizações religiosas e entidades diversas sobre como tratavam os casos de pedofilia de que tomavam conhecimento.

No que toca às Testemunhas de Jeová, foram tomados os depoimentos de várias vítimas de abuso, e também representantes da religião na Austrália foram interrogados a respeito de como lidavam com os casos de pedofilia. O que ficou claro nos depoimentos desses representantes é que eles tinham muito pouca margem de manobra para lidar eficazmente com a questão, pois os regulamentos elaborados pelo Corpo Governante, com raras exceções, aplicam-se por igual no mundo inteiro, e foi o que de fato resultou em mais de 1000 acusações de atos de pedofilia ficar ocultos das autoridades naquele país.

Como por essa ocasião estava em visita à Austrália o Sr. Geoffrey Jackson, do Corpo Governante, ele foi convocado a depor sobre o caso e foi interrogado por três longas horas. O Sr. Jackson, mesmo depois de ter feito o juramento de dizer a verdade, somente a verdade, e nada além da verdade, esforçou-se muito para amenizar a responsabilidade da liderança religiosa. O seu depoimento legendado pode ser visto na íntegra aqui:

No interrogatório, foi surpresa para muitos quando o Sr. Jackson foi confrontado com outra referência bíblica sobre como lidar com estupro, que, em essência, é o que acontece em um abuso sexual de criança. Como pode ser lido abaixo, diferentemente das outras referências bíblicas que exigem pelo menos duas testemunhas do ato, quando a Bíblia fala especificamente sobre estupro, apenas a palavra da vitima é suficiente para que o acusado seja condenado (no vídeo, isso consta a partir do tempo 1h39min). .

Se uma virgem estiver noiva de um homem, e outro homem a encontrar na cidade e se deitar com ela, então vocês devem levar ambos para fora, ao portão daquela cidade, e apedrejá-los até a morte; a moça, por não ter gritado na cidade, e o homem, por ter humilhado a esposa do seu próximo. Assim, elimine o mal do seu meio. Mas, se o homem encontrou no campo a moça que era noiva, e a dominou e se deitou com ela, então só o homem que se deitou com ela deve morrer; não faça nada à moça. A moça não cometeu um pecado que mereça a morte. Esse caso é igual ao de um homem que ataca seu próximo e o assassina. Pois ele a encontrou no campo, e a moça que era noiva gritou, mas não houve quem a socorresse (Deuteronômio 22: 23-27).



A Comissão Real Australiana foi criada para investigar casos de abuso sexual de menores dentro de instituições seculares e religiosas. Não se trata de um tribunal para julgar tais casos, mas apenas para investigar e redigir informação que servirá para futuras ações por parte do estado australiano (desperta.weebly.com)


Na data em que escrevo isso, em abril de 2016, talvez seja oportuno perguntar se as Testemunhas de Jeová do mundo inteiro já tomaram conhecimento dessas acusações. Levando em consideração que as revistas A Sentinela e Despertai! noticiaram por muitos anos acusações do tipo contra outras religiões, conforme mostrado no começo desta parte B, seria apenas justo e cristão que a organização Torre de Vigia também divulgasse nessas mesmas revistas que ela agora sofre acusações idênticas.

Mas não, absolutamente nada foi publicado até agora. Mas o silêncio não foi absoluto. No auge do escândalo, logo depois que as notícias começaram a circular, a entidade religiosa disponibilizou em seu site um vídeo de cerca de três minutos, onde encena o relato de uma mulher que foi abusada na infância e somente encontrou apoio e compreensão quando as Testemunhas de Jeová bateram à sua porta.




O que cito a seguir é a transcrição do primeiro minuto do vídeo:

Quando eu tinha 14 anos, coisas que aconteceram no meu passado começaram a afetar meu lado emocional. Eu achava que tudo o que tinha acontecido era culpa minha. Eu até tentei me matar. Eu era menina e um amigo da família abusou de mim e ele fez isso por muitos anos. Eu não contei pra ninguém o que estava acontecendo, nem pra meu pai. Tentei fazer de conta que nada tinha acontecido e esquecer tudo. Eu lembro que meu pai frequentou várias religiões naquela época. E um dia as Testemunhas de Jeová bateram em casa. A sinceridade delas era evidente. Elas se importavam muito com a gente e elas nos ajudaram a conhecer a Jeová e a Bíblia.

Testemunhas de Jeová que assistiram a esse vídeo sem saber dos noticiários, evidentemente não entenderam o porquê de sua publicação. Quem estava por dentro das noticias, deve ter feito alguma correlação e, levando em conta que o Corpo Governante já as predispôs a crer que tudo o que se diz contra a religião é apenas invenções dos opositores (veja o capítulo 6), é bem possível que muitas Testemunhas tenham concluído exatamente isso.

E é tudo isso que o Corpo Governante deseja. Ele sabe que as acusações são verdadeiras, sabe que nesse país, em cerca de 60 anos, deixaram de denunciar mais de 1000 pedófilos às autoridades. Até está convicto de que fez a coisa certa, segundo a intepretação que fazem da Bíblia. Porém, neste caso específico, fazer uma confissão não cairia bem à imagem e, como já vimos, a imagem parece-lhe algo a ser resguardada a qualquer custo – apesar de que, paradoxalmente, se sente bem à vontade para apontar o dedo para outras religiões – como fica evidente em mais uma de suas revistas:

Ironicamente, os acusados são da Austrália:

Na Austrália, uma crítica do livro The Battle and the Backlash: The Child Sexual Abuse War, algo como “A Batalha e os Reflexos Negativos: A Guerra do Abuso Sexual de Crianças”, comentou a respeito do abuso de menores praticado por clérigos e outros em cargos de confiança. Dizia que as organizações envolvidas aparentemente se preocupam em minimizar o prejuízo causado a sua própria imagem, e em proteger a si mesmas em vez de as crianças indefesas (Despertai! de 8 de abril de 1999, páginas 6,7)..


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Veja aqui uma carta enviada por mim ao escritório da Torre de Vigia no Brasil, na qual concedo a ela a oportunidade de se explicar sobre as acusações aqui apresentadas.

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